terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Um estranho que me quer


* Por Assionara Souza



A grana estava bem curta aquele mês. Precisava conseguir o suficiente pelo menos para o aluguel. Mas não pintava nenhum extra. E o dinheiro do pagamento, assim que caía, escorria todo em contas emergenciais.

Havia já um tempo que não comprava uma  única roupa nova Sempre aquelas de sempre. Os sapatos, pior ainda. A sola gasta não mantinha sequer a dignidade do passo.

Não sabia mesmo lidar com grana. Essa era a verdade. E dinheiro que vinha difícil, ia fácil. Talvez se tentasse o contrário... Uma grana que viesse fácil, ficasse por mais tempo. Mas isso era impossível.

Grana fácil só para quem já nascia com grana. Isso deixava ela puta. Meio do mês e aquela aflição de pobre estourando no meio do peito. Insônia e taquicardia. Tinha que dar um jeito.

Pensou isso esfaqueando muitas vezes o suco de maracujá com o canudinho. Até que seus olhos flagraram o carinha de terno que não tirava os olhos de cima dela.

Essa agora! Pescou uma nota de cinco solta dentro da bolsa e acertou o lanche. Na saída da lanchonete, uma chuva torrencial disparou no meio da tarde e ela sem guarda-chuva. Má sorte, tempo ruim.

O carinha de terno se aproximou dela e sacou num golpe de herói um enorme guarda-chuva daqueles pretos que os ambulantes vendem por uma merreca em dias assim. Nem se ela quisesse podia comprar um daqueles agora. Sorriu sem graça esfregando as gotas grossas que já molhavam todo o seu braço.

“Está indo pra que lado?”, perguntou o rapaz. “Pra os lados da minha casa”, ela respondeu sem perceber que não fazia muito sentido o que disse. “É pra lá que eu vou”, o moço devolveu com certo humor o que ela dissera.

Aquele terno não devia ser barato. Num instante passou pela cabeça dela uma possibilidade de arrumar a grana pro aluguel. Por que não? Uma grana fácil. E para o que estava disposta não precisaria de roupa nova. Aliás, não precisaria de roupa alguma. Topou na hora.

* Escritora


Nenhum comentário:

Postar um comentário