O
jovem Luiz Antonio ainda não morreu
* Por
Jair Antonio Alves
Por mais que se
esforcem os mensageiros do “Juízo final”, ainda não conseguiram matar Luiz
Antonio Martinez Correa. Isso tem alguma coisa a ver com a gente, reunidos aqui
hoje? Acredito que, sim! Quando, nesse mesmo local, o diretor que dá nome a
esta Casa de Cultura, no final da década de sessenta, se debruçava sobre obras
de Maiakovski, Brecht, pensava obviamente mudar o mundo. E aí vem mais uma
pergunta: será que Luiz Antonio e todos os seus contemporâneos queriam
construir um mundo como esse que estamos vivendo onde, periodicamente um
sujeito é degolado à frente das câmeras do vídeo? Sempre lembrando que tais
atos bárbaros são realizados em nome da “Revolução”, Justiça ou, mesmo, “em
nome de Deus”! Pode-se observar que outra pergunta se faz – que tipo de
Revolução nós queremos? Qual a revolução seria necessária?
Será que Luiz Antonio
pensava mudar o mundo para aumentar o abismo entre ricos e pobres; despejando
miséria nas periferias das grandes cidades e também as de médio porte, como a
deslumbrante Araraquara? Ou será que, a exemplo de centenas de artistas,
literatos, intelectuais e filósofos imaginavam um cenário onde o homem poderia
ser mais amigo do próprio homem?
Vamos começar nosso
trabalho de estudos sobre a obra de Luiz, justamente com O Percevejo, obra
exemplar do poeta e dramaturgo russo que se envolveu até a medula e alma no
processo de transformação, em sua época, para salvar o mundo da barbárie.
Adianto aqui! Maiakoviski se matou porque não conseguiu suportar a frustração
de ver a sua revolução tomar outros caminhos. Mais tarde, outros artistas e
intelectuais também escolheram o mesmo caminho (Hemingway e Stefan Zweig); eles
não aguentaram a “barra” de viver num mundo tão perversamente injusto e
punitivo. Luiz Antonio não se matou, lutou contra a morte até o fim, mas foi
atraído para o “matadouro” que é a intolerância. Nos deixou numa insólita
véspera de Natal. Outras perguntas se sucedem, a saber: somente os grupos
organizados ou déspotas que tomam parcela do poder, são responsáveis pela
Barbárie ou será que a omissão, o comportamento hipócrita de grande parte das
parcelas sociais bem sucedidas, porém, caladas, também o são?
Pensamos, por outra,
que a esperança de mundo melhor ainda existe.
Vocês, por exemplo, que aqui vieram para conhecer a obra deste artista e
os seus projetos (interrompidos) sabem que estes podem ser reinventados?
Interessante indagar a
época de sua trajetória: quais eram os “Centros de Formação” de artistas,
intelectuais e outros segmentos que estavam dispostos a mudar o mundo? É fácil
responder. Este “Templo” aqui em que nos reunimos, hoje: A antiga Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras. Era aqui que os melhores se reuniam para
“conspirar” contra um estado militar, que subjugava a maioria da população. Era
aqui que nos reuníamos para ensaiar a “tomada do poder”. O Percevejo, O
Casamento do Pequeno Burguês, Horácius e Curiácius eram apenas mais um projeto
de conquista do paraíso. As peças projetadas nesse local por Luiz Antonio
somavam-se ao gesto romântico do português livreiro, fugido da ditadura
salazarista, que vendia pelos corredores volumes que traziam conhecimento e que
as livrarias locais (provincianas), não ousavam comercializar. O português do
qual falamos, que poderia ter lutado na “Guerra Civil Espanhola”; este era o
seu desejo confesso, aproveitava os momentos de “conversa jogada fora” para
“fazer a cabeça” daquela juventude. Foi aqui, também, que o jovem Diretor sonhava,
um dia, montar uma adaptação de Divina Comédia. Quando conseguiu, anos depois,
os tempos já eram outros e de alguma decepção, por certo. O mesmo não se pode
dizer dos estudos que resultaram em a Opera do Malandro, que pela complexidade
do projeto, deixaremos para tratar no final do Curso, quando os participantes
se julgarem mais amadurecidos na principal tarefa que nos fez estar aqui
reunidos hoje; o artista tem a ver com o tempo em que vive?
Como nos tempos da
Ditadura, também “nos pós”, a pequena província reflete as maiores contradições
dos grandes centros. Hoje, como no passado, é muito difícil sobreviver da Arte,
propriamente dita. Por exemplo, numa cidade como São Paulo, atualmente próximo
de 65 mil profissionais estão no mercado; ao menos registrados na Delegacia
Regional do Trabalho(DRT); ao mesmo tempo em que o público que vai ao teatro,
anualmente (mais de três vezes) não ultrapassa 50 mil expectadores. A mesma
regra pode-se aplicar à cidade de Araraquara. Qual é o público que vai
regularmente a teatro, pagando o seu próprio ingresso? Será que existem mais de
500 pessoas que prestam este serviço a Cultura? Parece difícil! Ao mesmo tempo
se pergunta: quando se projetou jogar na praça os cursos profissionalizantes
pensou-se em como engajar estes formandos, mais tarde, no mercado de trabalho?
Ou será que os organizadores destes cursos pretendem somente alimentar de
esperança, jovens que um dia querem galgar o cenário Nacional? Nesse particular
é importante registrar que Luiz Antonio nos deixou, quando figurava como
artista contratado da Tevê Globo; não como diretor, já com extraordinário
currículo, mas como ator, nem tão bom assim.
E como mudamos o mundo
se ao menos não conseguimos mudar nossa própria realidade? A mais imediata?
Esta é a pergunta de que não foi pensada nenhuma resposta convincente.
O caminho, apesar de
doloroso, é único – estudar o conteúdo de nossas obras, de nossas vidas. No
segundo item, é preciso contar com o indispensável parceiro – o público que nos
vai assistir. Sem ele, não existe teatro. É assim, desde a Grécia antiga. Os
tempos podem ter mudado a linguagem, a forma, mas não mudou a essência do
teatro – espelho da realidade social. Luiz Antonio, como nunca, cumpriu esta
missão.
(*) Mais informações
sobre o evento com a jornalista Suely Pinheiro - e-mail
artistas.brasil@gmail.com
(Publicado no portal “Macunaima”
em 31.01.2015).
* Dramaturgo
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