Endereço
* Por
Emanuel Medeiros Vieira
Para os blogueiros da ilha
Perdi (perdemos) o
endereço de Deus.
Perdi (perdemos)?
Estará no bolso da calça,
na segunda gaveta, no trapiche da Praia de Fora,
no Parque da Redenção, na
Praça Castro Alves, na esquina da São João com
a Ipiranga?
Perdi o endereço de Deus.
Estará escondido na
clandestinidade, dormindo em quartos com cheiro de mofo – Neocid
para as pulgas –, ou nos
interrogatórios no DOPS?
Nas fugas apressadas?
Perdemos o endereço de
Deus,
E temos todos os
aparelhos eletrônicos,
da China, do Paraguai, do
Estados Unidos.
E sempre quereremos mais,
mais,
cerveja gelada anunciada
pela loira gostosa, o carrão com a estrela da TV,
o último produto –
ansiedade perpétua, e continuaremos ansiando:
e quando chegar a noite,
desmoronaremos.
Mamãe no fogão de lenha –
tainha frita.
Papai – terno preto,
chapéu, relógio de algibeira – vai ao mercado.
Turíbulos, matracas,
incenso, a catedral escura: é tempo da Paixão.
(Das paixões).
Alfredo David sorri e
toca na barba, Pepe gargalha e também ri,
Faço um acampamento com o
Marcelo, Letícia organiza um encontro de família
Giocondinha e Luiz fazem um
brinde,
Patrícia oferece um café,
José escreve um artigo –
óculos fundo de garrafa.
Cassinha – com aqueles
olhos azuis – abre os braços e me beija
quer todos na mesa para o
lauto almoço,
Tio Luizinho abraça
mamãe.
E lembro o poeta: ”Nós,
que vamos morrer,exigimos um milagre”.
Vulneráveis, tão mortais,
e o mar nos espera.
O tempo de Deus não é o
nosso, diz Miriam,
Cida faz um rosbife,
Adélia borda, Terezinha prepara um piquenique,
Dorinha convida para o
churrasco domingueiro,
Lourdes me dá um
dinheirinho para a o cinema de domingo,
Ondina reza, Gracinha vai
para o convento
(quero abraçar todos os
meus irmãos homens),
ah, tantos domingos
Cine São José, Cine Rox,
Cine Ritz,
empadinha com
guaraná-caçula
na Gruta de Fátima.
Perdemos o endereço de
Deus.
Peregrino para achá-lo:
estaria escondido em
Brusque?
Vou atrás: pensões,
viagens, portos, trens,
Paris, Berlim, Belém.
Estaria Ele escondido na
Igreja São Francisco,
em Salvador?
No meio daquele Barroco,
não consigo não chorar.
Ando, vejo o mar, o
Pelourinho,
lembro de todos os pés
que ali pisaram,
escravos gemendo,
Getúlio dá um tiro no
coração, Jânio renuncia,
Jango enxuga o rosto,
Golpe Militar– foram 21
anos de minha vida.
Um arco- íris, uma
gaivota, o “Miramar”,
Colégio Catarinense, um
poema, Segunda Época em Matemática,
Padre Werner me confessa
e me pacifica.
Onde encontrarei o
endereço?
Deus, Deus, Deus!
Estará no paletó que
deixei na lavanderia?
E espero – como se
estivesse no SUS de todos os aflitos,
num INSS onde os peritos
sempre indeferem os pedidos.
E escasseia o tempo,
Breve encontraremos algo
– sim, encontraremos algo.
Deus, Deus, Deus:
sorrio, pois posso
Contemplá-lo na Clarice – engatinhando pela casa,
no Lucas– sorrindo no
berço,
é maio na Ilha, outubro
em Brasília – e começam as chuvas,
em Salvador contemplo a
estátua do poeta Castro Alves,
e – sempre – o mar.
Célia sorri para mim –
amor.
A luz que emana dessa
manhã, seguirá comigo – para sempre.
“Há um caminho por onde passo/e outro que passa por mim//Um anda por
meus passos/e não tem fim.//O outro é onde meus passos/perderam-se de mim.”
* Romancista, contista, novelista e
poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis –
ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos
domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre
outros.
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