sábado, 21 de setembro de 2013

Bispo Aguirre1

* Por José Paulo Lanyi

CHEFE DA GUARDA- Sede bem-vindo, senhor, fizestes boa jornada?
BISPO AGUIRRE- Assim, assim... Demos com um trânsito dos infernos. A Marginal estava um caos. Greve dos cocheiros, para variar.
CHEFE DA GUARDA- Isso é coisa do José  Princesa, aquele ateu sem Deus!
BISPO AGUIRRE- Acaso sabes por que venho a esta fortaleza?
CHEFE DA GUARDA- Recebi os informes, reverendíssimo. Devo saber de algo mais?
BISPO AGUIRRE- Limita-te ao que já conheces. (Senta-se) És um avaro, capitão?
CHEFE DA GUARDA- Não senhor, reverendíssimo. Sou católico! E praticante!
BISPO AGUIRRE (levanta-se e berra)- Pois serve a Santa Madre Igreja e traz-me uma jarra de vinho! (subitamente calmo) Tenho sede, tal qual Nosso Senhor...
CHEFE DA GUARDA (à porta, para fora)- Guardas! Vinho para o bispo!
BISPO AGUIRRE (sentando-se)- E brioches.
CHEFE DA GUARDA- E brioches!
BISPO AGUIRRE- Amanteigados.
CHEFE DA GUARDA- Amanteigados!
BISPO AGUIRRE- Com uma pitadita de canela.
CHEFE DA GUARDA- E uma pitadita de canela!
(Volta-se para o Bispo Aguirre, que se senta)
CHEFE DA GUARDA- Perdoai-me os maus modos, reverendíssimo. Não é sempre que tão nobre presença vem honrar a nossa fortaleza.
BISPO AGUIRRE- E não te acostumes! Não sou dado a visitar pocilgas! São missões como esta que tornam o sacerdócio tão penoso... Falando em penoso, atropelamos um galo aqui nos arredores. (persignando-se) Que São Francisco o tenha.
CHEFE DA GUARDA (à parte)- Eu mato o Suplício!
BISPO AGUIRRE- E como está o nosso prisioneiro?
CHEFE DA GUARDA- Do jeito que a vossa reverendíssima ordenou. Como manda o figurino! (Sorri discretamente satisfeito consigo mesmo. Entra o Soldado 1 com uma garrafa, copos e uma bandeja coberta) (para o Soldado 1) Deixa aí! Eu mesmo servirei o bispo! (Sai o Soldado 1. Chefe da Guarda serve o vinho. O Bispo Aguirre apanha o copo, sem provar a bebida)
CHEFE DA GUARDA- Ireis comer os brioches agora, meu senhor?
BISPO AGUIRRE- Que achas? Que os pedi para deixá-los repousar na bandeja?
(Chefe da Guarda dá uma olhadela sob a toalha )
CHEFE DA GUARDA (antes de dirigir-se à porta)- Com a vossa permissão,
senhor! (à porta, para fora) Guarda!
(entra o Soldado 1)
CHEFE DA GUARDA- Eu te pedi brioches para o bispo e você só me trouxe um!
GUARDA- Era o que havia lá na cozinha!
CHEFE DA GUARDA- E as compras que mandei fazer hoje cedo?
GUARDA- Sumiram, senhor!
CHEFE DA GUARDA- Como, sumiram?!
GUARDA- Isso é lá com o intendente, senhor!
BISPO AGUIRRE- Chefe da Guarda! Chefe da Guarda! Onde estão os meus brioches? Não
vais querer que eu mesmo os apanhe!
(Chefe da Guarda dispensa o Soldado 1)
CHEFE DA GUARDA- Perdoai-me, senhor!
BISPO AGUIRRE- Não vais me dizer que não há brioches!
CHEFE DA GUARDA- Há, sim, reverendíssimo, mas... apenas um... É que estamos com pouca provisão e...
BISPO AGUIRRE- E o que acontece com o dinheiro que El-Rey destina a esta
fortificação?
CHEFE DA GUARDA- Dinheiro? Mas nos vossos informes havia instruções para nos
virarmos este mês com o que tínhamos.
BISPO AGUIRRE- Ora, nada mais quero saber! Anda logo com esse brioche!
(Bispo toma um gole do vinho e cospe-o. Dá um grito histérico e levanta-se)
BISPO AGUIRRE- Toma-me por ordinário?! Nem Judas merece tal beberagem! (levanta a
toalha e pega uma broa) O que é isto?
CHEFE DA GUARDA (apavorado)- Um brioche, senhor! (Bispo Aguirre anda em direção ao Chefe da Guarda mostrando-lhe a broa) Um brioche?! Um brioche?! Chamas esta broa amanhecida de brioche?! Um brioche é um pãozinho muito fofo, mas muito fofo, fofinho! Feito de farinha de trigo, fermento, manteiga, sal e ovos! O que me trouxeste foi uma broa! Uma broa é um pão arredondado feito de fubá, mas nunca um pãozinho muito fofo de farinha de trigo! Entendeste?!
CHEFE DA GUARDA- Sim senhor! Um pãozinho fofo de farinha de trigo!
BISPO AGUIRRE (mais calmo)- Muito fofo.
CHEFE DA GUARDA- Fofíssimo, senhor!
BISPO AGUIRRE- Muito bem! (pega a jarra e serve-se do vinho) Agora chega de tolices. Leva-me ao prisioneiro.

1- Da peça “A Masmorra”, de José Paulo Lanyi, Fernando Mariz Masagão e Sergio Carvalho Filho.

(*) José Paulo Lanyi é jornalista, escritor e dramaturgo, autor do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim", do romance cênico (gênero que criou) "Deus me Disse que não Existe", da peça "Quando Dorme o Vilarejo" (Prêmio Vladimir Herzog) e da coletânea “Teatro de José Paulo Lanyi e Outros Loucos” (no prelo), todos da editora O Artífice. Trabalha com o músico paulistano Flávio Villar Fernandes, com quem compôs a trilha “Invernada” e a sinfonia “Atlântica”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário