quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Bidu

* Por Mário Prata

Tem palavras que somem. Expressões desaparecem. Para onde foram?

Cartear marra é uma delas. Usadíssima nos anos 60, não vejo ninguém mais carteando marra. Quantas vezes nós, adolescentes, nos bailinhos, ao vermos alguém de outra cidade querendo dançar com as nossas meninas, chegávamos perto: não vem cartear marra aqui, não. Cartear marra era querer ser metido a gostoso.

Hoje, décadas depois, vou ao dicionário. Cartear significa também chutar. E marra, coragem. Portanto a expressão estava correta: fingir coragem. E, cá entre nós, naquele tempo todo mundo carteava marra.

Outra genial: par de besta. Tipo assim: o cara veio com par de besta pra cima de mim e eu sai na porrada. E eu nunca entendia porque o sujeito com um par de besta (o animal, claro), significava que era todo valentão. O que é que a besta tinha a ver com valentia?

Mas hoje, descobri. O primeiro significado da palavra besta é uma arma, uma espécie de arco para atirar setas. Portanto, o cara que vinha com par de besta, vinha armado, vinha para agredir, para ofender.

Por outro lado, e ainda mais bestial, o interessante é que o sujeito metido a besta era o metido a gostoso, a bonitão, a conquistador. Aqui, no caso, nunca entendi o porque da besta. Se você for metido a besta, me explique.

E tinha uns mais valentões que vinham com par de besta cartear marra. Geralmente eram mais fortes que nós e a gente se danava (a palavra não é bem esta) em verde e amarelo. E eles tiravam as nossas minas para dançar. Justamente a que estava de tomara-que-cai e havia nos prometido dar-tábua nele. Depois ela me explicaria: queria o quê? Que eu tomasse chá de cadeira? Você já imaginou o que significa levar-tábua e tomar chá-de-cadeira? Nem que a vaca tussa você sabe. E o gostosão com a nossa menina nos achando bola-murcha.

Mas uma que eu nunca entendi mesmo – até hoje – é mixar o carbureto. Passei a manhã de hoje olhando dicionários, dando uns telefonemas e nada. Se alguém aí souber a origem, me diga. A expressão era usada – e muito mesmo – quando a coisa – qualquer coisa – não dava certo. Se dizia: mixou o carbureto. Será que a origem seria acabar o gás? Pode ser?

E o cara que era café-com-leite, lembra? Também não tem o menor sentido. Café-com-leite era aquele sujeito quer não contava, que não sabia fazer nada. Podia estar a mais num time de futebol, podia dançar com as minas. Café com leite era quase um bobo.

Naquela época não tinha pêr-répis, a não ser se você fosse gilete. A gente saía para encher o picuá dos outros e qualquer problema, novesfora-zero.

Mas o que mais me irritava, na adolescência, era a minha irmã mais velha achar que eu era inocente. Já tinha uns doze anos e ela dizia que eu era inocente. E olha que eu já era culpadíssimo!

Me desculpe cartear tanta marra…


* Escritor e jornalista

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