quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A moral do lobo

* Por Ângelo Monteiro

Somos surpreendidos, a cada momento, pela capacidade de alguns em subestimar, com descarada superioridade, aspectos tanto éticos quanto estéticos da ação humana, passando a impressão de que independem do auxílio de qualquer tábua de valores. É o que podemos depreender de declarações como a de notável senador que, nomeado redator de um novo regimento interno para o Senado, julgou desnecessário incluir, no juramento, a defesa da ética, por considerar subjetiva a menor referência à mesma, alegando que o ético para ele poderia não sê-lo para o colega.

O senador uivava como lobo triunfante, inscrito no próprio nome, ao proferir opinião, mostrando um indisfarçável desprezo a certos limites da ética colocados à ação nem sempre nobre dos parlamentares. Mas o nosso senador parece não estar sozinho quando se trata do medo de mudanças que venham comprometer a construção de novas pirâmides, quer no plano da ciranda financeira, quer no da manutenção do poder.

No domínio ético, igualmente, o descalabro é absoluto, - já que a arte passou a ser aquilo que o improvisado artista, seguido pelo crítico, supõe como tal - a ponto de ilustres teóricos acharem vexatório admitir não só a existência de cânones mais ou menos universais de gosto, mas até elementares exigências do fazer artístico.

Impossível deixar de concluir que ao se desconsiderar na atividade estética, como na ética, o mínimo de universalidade; e ao se descartar valores das duas ordens capazes de maior alcance pedagógico, também deve diminuir ou se extinguir a necessidade de traduzir para outras línguas o código ético das grandes religiões bem como as obras artísticas.

Se o senador estiver com a razão, os Dez Mandamentos recebidos por Moisés possuem valor semelhante às regras que orientam a prática do lenocínio, e as peças trágicas, por exemplo, dos gregos e de Shakespeare não se distinguem das performances de um filme pornô.

Essa ética e essa estética, marcadas por um relativismo traiçoeiro como os lobos, a envolverem suas sombras o bem e a beleza, chegaram para ficar, ou será possível a permanência de juízos de gosto universais e necessários, ainda que fundados na subjetividade, e de juízos éticos exigidos pela preservação da própria convivência humana?

A disseminação desse relativismo levará à confirmação da sentença de Malthus de que o homem é o lobo do homem, e ninguém escapa da moral do lobo.


* Ângelo Monteiro é ensaísta

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