A história do Seu Juba
* Por Rodrigo Ramazzini
Jeferson era repórter de um grande jornal na capital. Apesar de bons anos na profissão, não era considerado uma “das estrelas” do quadro de jornalistas da empresa. Fato que creditava à falta de oportunidades de mostrar a totalidade do seu talento. O sonho de exercer a atividade nasceu quando era pré-adolescente ao ver os profissionais da área trabalhando em um estádio de futebol.
Trabalhava na editoria de assuntos voltados ao campo e a agricultura, e, simplesmente, odiava. Mas, como tinha que trabalhar, agüentava as pontas. Almejava quando pegou o diploma da faculdade aplicar o conhecimento adquirido no segmento de esportes ou cultura, inclusive ocupando cargos de chefia e direção. Porém, a vida o levou para outros lados e a carregar um pesado fardo de frustração.
Chegou à redação do jornal no inicio da tarde daquela terça-feira, como fazia periodicamente, e foi logo recebendo a missão do dia. Teria que viajar até o interior do Estado para fazer uma reportagem sobre uma nova sistemática utilizadas pelos agricultores da região na plantação de alfaces. Chegou a abrir a boca para reclamar do assunto, no entanto, como estavam pairando no ar informações sobre possíveis demissões, acatou a ordem, pensando nas 36 prestações do financiamento do carro que faltavam serem pagas.
Embarcou no carro juntamente com o fotógrafo e o motorista. Depois de mais de duas horas e meia de viagem, na maior parte do tempo por estradas de chão batido, mas compensadas por belas paisagens, o carro estragou quando subia um morro. Por sorte, o veículo parou em frente à fazenda mais próxima daquela redondeza. O trio não teve dúvida em pedir ajuda.
Na casa, sentado em volta do fogão a lenha, tomando um chimarrão, estavam o “Seu Juba”, como era conhecido por causa do volumoso cabelo branco, e a sua esposa, “Dona Délia”, que mexia nas panelas fazendo um doce de abóbora. Ainda na residência morava o caçula, chamado Leonel, que colocava comida para as galinhas e os porcos, e era o único entre oito filhos que ainda morava no campo. Os demais migraram para a cidade, mesmo contra a vontade dos pais, mas faziam questão de aparecerem em quase todos os finais de semana.
Apesar dos latidos furiosos dos cachorros, a equipe de reportagem foi calorosamente recebida pela família do Seu Juba. Depois de alguns minutos, feitos os cumprimentos e explicados os problemas enfrentados, o motorista saiu com Leonel até um galpão, no intuito de pegarem as ferramentas para consertarem o carro. O fotógrafo foi tirar fotos do lugar. E Jeferson e Seu Juba começaram uma transformadora conversa, sentados em velhas cadeiras.
- É bom morar aqui, Seu Juba?
- O melhor lugar do mundo, meu filho! Um paraíso! Tenho muito mais do que preciso aqui...
- Eu não sei se agüentaria morar nessa calmaria. Sou acostumado com a correria da cidade grande...
- Não sabes o que estás perdendo!
- Pois é... Pode ser... Nunca pensou em se mudar da fazenda?
- Nunca pensei em ter uma fazenda, meu filho! Quanto mais em me mudar...
- Como assim? E isso tudo? Não é seu, Seu Juba?
- Nunca tive a ambição de nada, meu filho! Com muito trabalho, as coisas foram acontecendo ao seu tempo... Sem pressa... Tenho uma família linda e fui muito mais longe do que poderia imaginar! Isso me faz um homem feliz a cada manhã!
- Deve ser bom se sentir assim...
- Ué! O amigo não é feliz?
- Não é isso, Seu Juba... É que...
- Pela tua cara, já entendi... Mais um...
- Opa! Agora, eu que não entendi, Seu Juba. Mais um o quê?
- Mais um... Mais um...
- Mais um o quê?
- Deixa assim...
- Agora eu quero saber, fala!
- Já que quer saber, então, vou te falar, rapaz: tu deves ser mais um desses que esperam demais da vida... Possuem a ambição lá nas alturas... E como diz o ditado,: quanto maior a altura, maior o tombo! Daí se não alcançam o que querem, caem em frustração e vivem nesses médicos de cabeça aí!
Jeferson surpreende-se com as palavras do homem simples do campo. Encaixam-se perfeitamente com a sua história de vida. Lembrou-se das sessões mensais com o analista no divã e da decepção profissional que carregava nos ombros. Ficou em silêncio, pensativo. Seu Juba complementou...
- Aprendi com a minha falecida mãe que querer demais gera a angústia. Por isso, vivo um dia após outro, não esperando nada da vida, sendo surpreendido todos os dias por ela e sempre agradecendo a Deus...
A curiosidade aflorou em Jeferson, que quis saber mais daquele senhor de cabelos brancos.
- Então, Seu Juba, conte-me a sua história e filosofia de vida...
- Bom, meu Filho! Eu nasci...
Foram quase duas horas de uma longa conversa, enquanto o motorista e Leonel arrumavam o carro e o fotógrafo, entre uma foto e outra, provava os doces feitos pela Dona Délia. O sol ensaiava se esconder quando a equipe de reportagem deixou a fazenda. De lá, Jeferson avisou a redação do jornal e foi direto para casa. Inquieto com a história contada por Seu Juba, resolveu escrevê-la, apesar de não ver valor jornalístico no material. Passou parte da madrugada redigindo o texto e refletindo sobre as palavras ouvidas durante a conversa.
No dia seguinte, na redação do jornal, contou os ocorridos do dia anterior e mostrou despretensiosamente a história escrita sobre o Seu Juba para o seu chefe e alguns colegas, com o intuito de não precisar repetir a mesma várias vezes ao longo do dia. Cumpriu normalmente o expediente de trabalho e, posteriormente, foi para uma happy-hour seguida de uma festa com os amigos, já que estava de folga no outro dia.
Ao acordar, na manhã seguinte, próximo ao meio-dia, em meio aos efeitos de uma ressaca e comendo uma maça e tomando um copo de refrigerante, foi se atualizar das notícias. Ao pegar a edição do jornal do dia veio a surpresa: a foto de capa estampava o Seu Juba com a sua velha cuia de chimarrão na mão. Atordoado, não acreditando no que acabara de ver, abriu as páginas da reportagem e lá estava o seu texto contando a história do homem do campo. Em meio à emoção, chorou baixinho pela conquista. Era a primeira vez que o seu trabalho ganhava tanto destaque.
Os cumprimentos pela reportagem duraram alguns dias. A promoção não demorou muito a sair, e, amanhã, Jeferson participa de uma cerimônia, onde ganhará um prêmio jornalístico nacional pela história do Seu Juba.
• Jornalista
Há quem não acredite no valor da simplicidade
ResponderExcluirpois ela não brilha nem reluz.
É avessa aos holofotes e passa despercebida
aos olhos de quem tem tanta pressa, tanta urgência...
Belo texto Rodrigo.
Abração e bom fim de semana.
Obrigado pela leitura e comentário, Núbia!
ResponderExcluirEsse é um texto que mistura uma série de sentimentos. Ao menos, foi o que tentei fazer.
Tenha um ótimo final de semana!
Aquele abraço!
Surpresa total. Dizem que dois erros não fazem um acerto, mas foi o caso. E que acerto!
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