O velho da avenida
* Por Juarez José Viaro
* Por Juarez José Viaro
Os carros passavam depressa pela avenida. Poucos motoristas notavam aquele velho maltrapilho, enrolado em sacos plásticos de lixo, com uma coroa de lata na cabeça. Alguns ciclistas, que ousavam desafiar os carros, passavam pela avenida e também notavam aquele indivíduo sentado em sacos de lixo reciclável, escrevendo.
Pedestres não se arriscavam a parar, afinal a avenida é uma das mais movimentadas da cidade e nada havia no canteiro, além do velho sentado. Apenas algumas árvores que resistiam a tanta poluição e uma grama mal-cuidada. Além do que havia uma passagem de pedestre mais à frente e não era conveniente se aventurar a atravessar a avenida naquele local.
Passei num dia de chuva e imaginei que não encontraria o velho mendigo. Engano, lá estava ele, envolto em plásticos negros, como numa barraca de camping, sentado, escrevendo. Passei outras vezes e já vi pessoas em pé, conversando com o velho estranho que escrevia sem parar. Numa parada do trânsito pude observar que havia uma pilha de folhas de papel ao seu lado, já usadas.
Noutra ocasião havia pessoas agachadas que conversavam com o velho solitário. Mas ele parecia não responder e continuava sua tarefa de escrever em papéis velhos.
Não custou muito tempo e vi uma repórter de microfone em punho e o cinegrafista filmando o velho agora notório. Procurei em telejornais, programas de televisão, jornais e revistas para encontrar alguma reportagem a respeito do velho escrevente mas não encontrei nada.
Aos poucos o movimento em torno dele aumentou. Já havia até uma certa fila de pessoas formada no canteiro central da avenida movimentada. Os carros passavam, os motoristas curiosos diminuíam a velocidade, esperando encontrar alguma figura famosa, alguma filmagem de cinema, algum acidente com vítimas. Nada.
No dia seguinte, passei pelo mesmo local e não vi ninguém, embora o velho que escrevia continuasse lá. Escrevendo. Ao seu redor, apenas sacos e mais sacos de garrafas plásticas, latas de cerveja e refrigerante, cuidadosamente separadas. As de coca-cola separadas dos demais refrigerantes. Afinal essas latas tinham fecho de ferro, mais barato que as outras, com fecho de alumínio.
Com o passar do tempo, aquilo se tornou rotina, como tudo. Já não olhava mais o canteiro da avenida, buscando encontrar o velho catador de lixo. A pressa e a irritação com o trânsito, cada vez mais engarrafado, me faziam prestar atenção no carro que ia à frente e esquecer-me de olhar o canteiro da avenida.
Mas a vida continuava ali, no meio da avenida, afrontando tanto trânsito e junto com ela o velho catador escrevia. A seu lado agora formava-se uma legião de admiradores. Pude notar que faziam um semicírculo na frente dele, esperando algo. Talvez uma palavra de consolo, quem sabe uma opinião sobre algum problema na vida pessoal, ou até mesmo uma predição do fim do mundo. Todos sentados, alguns quase ajoelhados, aguardando suas palavras. Mas o velho admirado só escrevia. Quando balbuciava algo, de cabeça baixa em seus escritos, poucos escutavam. Mas os mais próximos, com ares de que entendiam, ficavam surpresos com aquelas palavras. Os mais distantes se aproximavam, buscando entender melhor, ou perguntavam aos que tinham ouvido.
Na semana seguinte já havia emissora de TV fazendo cobertura de novo. Gravavam, entrevistavam, mas pouco se ouvia nas gravações. O velho escritor apenas escrevia. E os seguidores se revezavam, alguns com as mãos cruzadas em forma de prece, outros ajoelhados, buscando uma palavra, um olhar, uma previsão.
De novo nada aparecia na televisão ou se ouvia em noticiário de rádio. Achei intrigante aquela situação. Se tantos procuravam pelo velho profeta, por que não era notícia? Resolvi conferir. Estacionei o carro numa farmácia, único local que era permitido naquela avenida e fui até o canteiro ver a multidão. Havia um silêncio só destoado pelo ruído dos carros. Ninguém falava, ninguém perguntava nada e o velho adivinho apenas escrevia. Tentei me aproximar mais, mas a multidão não permitiu. Aproximei-me então do cinegrafista e perguntei quem era o velho. Ele não respondeu, preocupado com a gravação. A repórter, ao lado do velho entrevistado, fazia perguntas mas não obtinha respostas. Depois, num gesto ousado, seguido por um murmúrio reprovador de toda a platéia, retirou um papel da pilha ao lado do velho mendigo, leu apressadamente o que havia escrito naquele papel amarrotado e exclamou decepcionada ao cinegrafista:
- Pare de gravar e vamos embora. Ele é apenas um velho poeta.
Pedestres não se arriscavam a parar, afinal a avenida é uma das mais movimentadas da cidade e nada havia no canteiro, além do velho sentado. Apenas algumas árvores que resistiam a tanta poluição e uma grama mal-cuidada. Além do que havia uma passagem de pedestre mais à frente e não era conveniente se aventurar a atravessar a avenida naquele local.
Passei num dia de chuva e imaginei que não encontraria o velho mendigo. Engano, lá estava ele, envolto em plásticos negros, como numa barraca de camping, sentado, escrevendo. Passei outras vezes e já vi pessoas em pé, conversando com o velho estranho que escrevia sem parar. Numa parada do trânsito pude observar que havia uma pilha de folhas de papel ao seu lado, já usadas.
Noutra ocasião havia pessoas agachadas que conversavam com o velho solitário. Mas ele parecia não responder e continuava sua tarefa de escrever em papéis velhos.
Não custou muito tempo e vi uma repórter de microfone em punho e o cinegrafista filmando o velho agora notório. Procurei em telejornais, programas de televisão, jornais e revistas para encontrar alguma reportagem a respeito do velho escrevente mas não encontrei nada.
Aos poucos o movimento em torno dele aumentou. Já havia até uma certa fila de pessoas formada no canteiro central da avenida movimentada. Os carros passavam, os motoristas curiosos diminuíam a velocidade, esperando encontrar alguma figura famosa, alguma filmagem de cinema, algum acidente com vítimas. Nada.
No dia seguinte, passei pelo mesmo local e não vi ninguém, embora o velho que escrevia continuasse lá. Escrevendo. Ao seu redor, apenas sacos e mais sacos de garrafas plásticas, latas de cerveja e refrigerante, cuidadosamente separadas. As de coca-cola separadas dos demais refrigerantes. Afinal essas latas tinham fecho de ferro, mais barato que as outras, com fecho de alumínio.
Com o passar do tempo, aquilo se tornou rotina, como tudo. Já não olhava mais o canteiro da avenida, buscando encontrar o velho catador de lixo. A pressa e a irritação com o trânsito, cada vez mais engarrafado, me faziam prestar atenção no carro que ia à frente e esquecer-me de olhar o canteiro da avenida.
Mas a vida continuava ali, no meio da avenida, afrontando tanto trânsito e junto com ela o velho catador escrevia. A seu lado agora formava-se uma legião de admiradores. Pude notar que faziam um semicírculo na frente dele, esperando algo. Talvez uma palavra de consolo, quem sabe uma opinião sobre algum problema na vida pessoal, ou até mesmo uma predição do fim do mundo. Todos sentados, alguns quase ajoelhados, aguardando suas palavras. Mas o velho admirado só escrevia. Quando balbuciava algo, de cabeça baixa em seus escritos, poucos escutavam. Mas os mais próximos, com ares de que entendiam, ficavam surpresos com aquelas palavras. Os mais distantes se aproximavam, buscando entender melhor, ou perguntavam aos que tinham ouvido.
Na semana seguinte já havia emissora de TV fazendo cobertura de novo. Gravavam, entrevistavam, mas pouco se ouvia nas gravações. O velho escritor apenas escrevia. E os seguidores se revezavam, alguns com as mãos cruzadas em forma de prece, outros ajoelhados, buscando uma palavra, um olhar, uma previsão.
De novo nada aparecia na televisão ou se ouvia em noticiário de rádio. Achei intrigante aquela situação. Se tantos procuravam pelo velho profeta, por que não era notícia? Resolvi conferir. Estacionei o carro numa farmácia, único local que era permitido naquela avenida e fui até o canteiro ver a multidão. Havia um silêncio só destoado pelo ruído dos carros. Ninguém falava, ninguém perguntava nada e o velho adivinho apenas escrevia. Tentei me aproximar mais, mas a multidão não permitiu. Aproximei-me então do cinegrafista e perguntei quem era o velho. Ele não respondeu, preocupado com a gravação. A repórter, ao lado do velho entrevistado, fazia perguntas mas não obtinha respostas. Depois, num gesto ousado, seguido por um murmúrio reprovador de toda a platéia, retirou um papel da pilha ao lado do velho mendigo, leu apressadamente o que havia escrito naquele papel amarrotado e exclamou decepcionada ao cinegrafista:
- Pare de gravar e vamos embora. Ele é apenas um velho poeta.
* Juarez José Viaro é formado em Letras e Jornalismo. Publicou o livro de poemas “Aroma de Amora” e participou de movimentos literários em Osasco e São Paulo. Tem um romance inédito, “Viagem ao Interior”.
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