domingo, 10 de outubro de 2010


Luta entre a memória e o esquecimento

Dia desses, um dos meus amigos mais diletos, espécie de confidente e confessor simultaneamente, perguntou-me, de repetente, após eu lhe mostrar parte do meu acervo de textos, aquele que produzi antes do advento do computador e que venho, pacientemente, digitando há já alguns anos e registrando na memória eletrônica de meu PC: “Por que você escreve tanto, Pedrão?”. Pego de surpresa, já que ninguém antes havia me feito esse questionamento (e nem eu havia pensado nisso), respondi: “Por que? Ora, porque! Porque gosto!!!”.
Em seguida, no entanto, me questionei: “gosto tanto mesmo? Caso não vivesse de texto e escrever não fosse meu ganha pão, eu escreveria tanto assim? Ou sequer escreveria?”. Tenho lá minhas dúvidas. No momento, não soube responder com honestidade e franqueza para mim mesmo, e muito menos para o amigo curioso.
Gosto, é verdade, desse exercício de tecer pensamentos juntando letrinhas. Mas escrevo sempre com prazer? Sinceramente, não! Há momentos em que isso me é pesado fardo e que, se não tivesse compromissos a cumprir, não escreveria. Trocaria meu espartano gabinete de trabalho – do qual retirei até os quadros de alguns artistas plásticos prediletos das paredes, para não me distrair – por um passeio sem hora de começar e nem de acabar num bosque florido, ou à beira de algum lago ou rio. Ou por assistir um jogo da minha Ponte Preta no Estádio Moisés Lucarelli e livrar-me das tensões, gritando mil impropérios contra o árbitro (mesmo que ele não errasse contra minha Macaca) e os gols do meu time a plenos pulmões, até ficar rouco. Ou por uma ida ao teatro, para assistir a uma peça, de preferência cômica, ou a uma ópera, ou a um concerto sinfônico. Há tanta coisa a fazer mais prazerosa do que juntar letrinhas para formar palavras, orações, períodos, parágrafos e vai por aí afora!!!
Há, é claro, momentos em que o texto me proporciona imenso prazer. Isso ocorre quando tenho liberdade de escrever o que, quando e como quiser. Em que ninguém me encomende crônicas e principalmente não fique me telefonando a toda a hora, cobrando a entrega. Em que algum editor chato não fique me limitando o número de linhas ou a quantidade de palavras (por isso, gosto de editar meus próprios textos. Quando outro os edita, sinto-me violentado e tolhido em minha liberdade intelectual).
Poucos escritores são sinceros ao falarem sobre o exercício da escrita. Nove entre dez afirmam (sem nem ficarem vermelhos): “Adoro escrever! É a minha vida, meu maior prazer! E blá-bla-blá; bla-bla-blá e bla-bla-blá”. Balela! Pois... quando você vai verificar o que já escreveram e quantas horas do dia (caso não escrevam para viver) dedicam a esse exercício, pega-os direitinho na mentira.
Milan Kundera, um dos escritores mais bem-sucedidos da atualidade (no meu entender, já merece há anos um Nobel de Literatura), desabafou, pela boca de um personagem, no romance “O livro do riso e do esquecimento”: “Nós escrevemos livros porque nossos filhos se desinteressam de nós. Nós nos dirigimos ao mundo anônimo porque nossa mulher tapa os ouvidos quando falamos com ela”.
No meu caso, isso não deixa de ter um fundo de verdade, embora os motivos de eu escrever tanto serem diversos, como a necessidade de ganhar o pão nosso de cada dia, o desejo de partilhar pensamentos e sentimentos, a tentação de incensar minha vaidade, etc. etc.etc. E põe etc. nisso! Todavia, esta verdade de Kundera não é “toda” a minha verdade.
Em alguns dias e/ou circunstâncias, de fato escrevo como num desabafo, por não ter a quem dizer o que estou pensando e sentindo de viva voz. Seria bem mais simples e prático e me exigiria mínimo esforço. Não faria, por exemplo, volumes de cópias impressas na impressora e nem pilhas de anotações em papeluchos de todos os tamanhos . Meu desabafo entraria por um ouvido do interlocutor, sairia por outro e tudo ficaria por aí. Perder-se-ia no ar.
Os filhos têm sua própria vida e só se lembram do velho pai em datas festivas, como aniversário (deles ou meu), Páscoa, Natal e Ano Novo etc. E olhem lá! Tudo bem. Não os geramos e educamos mesmo para nosso deleite, mas “para o mundo”. Só que isso não precisava ser tão literal assim, não é mesmo?.
Quanto à mulher... nem todos são casados com alguma que aprecie literatura (a bem da verdade, raríssimos o são). E mesmo as que gostam de ler e escrever, dificilmente terão o mesmo gosto nosso. Talvez não tapem, literalmente, os ouvidos quando falarmos, mas educadamente fingirão nos ouvir, quando na verdade não nos ouvirão ou não atentarão para o que falarmos. Perceberemos isso apenas se ou quando lhes fizermos uma pergunta qualquer a que elas, distraidamente, dirão: “Han???” Será a prova cabal de que não ouviram um tiquinho sequer do que lhes dissemos.
É provável, viu amigão que me fez a embaraçosa pergunta, que eu escreva tanto principalmente numa tentativa desesperada de não ser esquecido, após cumprir meu ciclo cá na Terra. Não sei se esta é a estratégia mais adequada (temo que não). Lutamos a vida toda contra a morte (embora saibamos que em vão), contra a indiferença e contra um montão de outras coisas, mas, sobretudo, contra o poder. O acaso e as circunstâncias, porém, é que irão determinar se serei ou não lembrado mais adiante. Encerro estas considerações com as palavras de Milan Kundera, no livro que citei acima: “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”. Oxalá a memória vença!!!

Boa leitura

O Editor.

Um comentário:

  1. A minha mãe, falecida há sete anos, oito meses e doze dias, dizia que não queria viver muito, fato que já escrevi aqui. Tanto fazia viver 68 (idade em que morreu), ou 72. Em poucos anos a sua passagem pela terra há muito estaria esquecida, ela dizia. E creio que sim. Quando os netos dela morrerem, acabou. Ninguém vai se interessar pelas fotos que guardo com tanto amor. Afinal o que é a vida? O escrito faz essa permanência ser um pouquinho maior. E olha Pedro, você produz textos em grande profusão. Concordo com seu amigo. Ficará mais tempo na memória dos leitores.

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