quarta-feira, 27 de março de 2013


Sabedoria Grega em Oito Pilares

* Por Mara Narciso

A mestra em Literatura Karla Celene Campos, a nossa Rita Lee, dada a grande semelhança física, é natural de Francisco Sá, sendo uma pessoa hiperbólica, exagerada, imensa em tudo que faz. De alegria esfuziante, leva um sorriso amplo e grande talento para a representação e escrita. Quando falou sobre “O Amanuense Belmiro” do introspectivo Cyro dos Anjos, ótimo drama psicológico, abriu os braços em demasia e passou adiante da obra. Agora o Clube de Leitura Felicidade Patrocínio a recebe para apresentar “Os Oito Pilares da Sabedoria Grega”, de Stephen Bertman, conteúdo do tamanho do seu talento dramático. Karla Celene entrou vestida de Atena, a Deusa da Sabedoria.

Na 14ª reunião do Clube de Leitura, Karla Celene, que parece acreditar nas pregações do autor, trouxe para os tempos atuais histórias da mitologia grega. A platéia voltou-se para aquele mundo de 25 séculos atrás, que valoriza a vida justamente por ela ser passageira. “A vida é bela e frágil, e não devemos desperdiçá-la. É preciso viajar para dentro de nós para conhecermos as nossas potencialidades”, diz a palestrante. E continua: “Precisamos da ajuda do outro para caminharmos, pois nada faremos sozinhos, e para isso devemos vencer a nós mesmos”. Muito será perdido caso a pessoa opte pelos maus instintos. Lá dentro está a luz da razão. A partir dessa introdução desfilaram personagens, por exemplo, Orion, que, sendo cego, colocou um menino nos ombros e foi a lugares distantes. Quanto morreu, foi transformado numa constelação. Mensagem: aceitar desafios é ir ao encontro da luz.

Expondo as ideias defendidas por Stephen Bertman, Karla Celene citou aspectos filosóficos e os ilustrou com mitologia. Os gregos antigos fizeram uma odisséia espiritual através de perguntas e pensamento crítico. “Podemos ser o que queremos. Buscar respostas já faz valer a existência”, defende Bertman.

O primeiro pilar é o Humanismo, a celebração dos nossos esforços, talentos e capacidades especiais. “Os gregos antigos acreditavam nos deuses, porém, confiavam mais no homem e em sua luz divina. Não podemos deixá-la se apagar, e para isso devemos soprá-la e dela fazer uma fogueira de entusiasmo”, argumentou a palestrante. Continuou afirmando que a existência da morte faz a vida valer mais. Como o homem joga para ganhar ou perder, precisa celebrar quando supera suas fraquezas e vence: isso nos faz humanos.

Karla Celene lembra que uma representação artística de Dionísio, deus do vinho, o mostra apático, enquanto os soldados, eternos guerreiros, lutam em busca de dignidade. Noutra situação, o herói Ulisses, chorando na praia junto com a deusa Calipso, opta por ser homem, deixa a ilha, onde poderia se tornar imortal, e volta à sua origem. O homem transforma arte em alimento para o espírito. O mesmo se pode fazer em relação à vida para torná-la algo de maior valor.

A Busca da Excelência é o segundo pilar e ensina que ousar menos é ser menos, então, pensar mais instiga a transformação. O homem tem uma casca humana e uma centelha divina. O semideus Hércules, num acesso de loucura mata esposa e filhos e através dos doze trabalhos recupera a dignidade perdida.
Para Stephen Bertman o tempo atual é aquele da hipercultura e do hiperconsumo, o que deixa todos famintos, sendo uma forma equivocada de se levar a vida. É preciso equilibrar razão e prazer para bem alimentar a alma. Ser bom não é suficiente. É necessário vencer a frustração de não conseguir, com paciência, perseverança e honestidade, para assim contaminar quem está ao seu lado, e com isso homenagear a ascendência. No entanto, se deve evitar a competitividade destrutiva, desvairada, assim como a arrogância e a vaidade. Karla Celene citou Aracne, que tinha 12 filhos e disso se vangloriava sobre Atena que só tinha dois filhos. A detratada matou os rebentos da outra e a transformou numa aranha, para ficar tecendo por toda a eternidade.

O item anterior parece ir contra a Prática da Moderação, o terceiro pilar. “Nem tanto ao sol, nem tanto ao mar”, foi o que recomendou Dédalo ao seu filho Ícaro, quando finalmente conseguiram construir dois pares de asas com penas e cera de abelha para fugir da prisão. Mas, diante do maravilhamento do ato de voar, Ícaro se esquece dos conselhos do pai, voa alto e o calor do sol derrete a cera. As asas se desprendem e ele morre afogado no mar. Outro que pagou caro pelo exagero foi o Rei Midas, pois, atendendo a um pedido seu, Dionísio fez com que tudo que ele tocasse virasse ouro, até comida, água e sua filha. Pelo mesmo motivo, a pretensão de dominar o mundo com seu espírito expansionista faz Atlanta afundar no oceano.

O autor lembra que Platão recomendava não exceder os limites, e pregava o meio-termo para encontrar a harmonia, equilíbrio, simetria e ordem. Tudo era analisado sob dois pontos de vista, como as moedas que tinham cara e coroa. Ver dois lados é o caminho da moderação. Cosmos significa ordem, lei e beleza, e cosméticos são artigos de beleza. “Somos humanos e emocionais, sendo difícil praticar o meio termo. Como os extremos são excitantes, devemos nos afastar para ter uma visão segura e um distanciamento crítico”, explica a palestrante. “O exagero dá prazer e é preciso pagar por isso”. Apolíneo é o equilíbrio entediante e Dionísio é o vinho, o descomprometimento e as emoções. Segundo Karla Celene a aparente contradição entre excessos e contenção, não é paradoxal e sim uma complementação.

O quarto pilar é o Autoconhecimento. Quando prosseguir e quando parar? Conhecendo nossas limitações, haverá menor chance de erro. Mais importante do que saber quem somos, é imaginar quem poderemos ser. Somos uma obra em construção. Na entrada do Templo de Apolo há a frase: “Conhece-te a ti mesmo”. A Pitonisa previa o futuro em Delfos, porém o oráculo não causa o futuro, e, de acordo com o autor, o resultado da equação caráter e circunstância forma o destino. A metade do destino depende do caráter da pessoa. O amanhã depende do que fazemos hoje, assim, conhecer a nós mesmos acaba por construir nosso destino. Este não é imposto de fora, mas emana de nós. Quem é o homem mais afortunado? Apenas na morte, quando tudo já foi feito, poderá ser avaliada a fortuna de cada um. Está vivo? Então poderá ser modificado.

“Racionalismo é o próximo pilar”, continua Karla Celene. “É a capacidade de solucionar problemas, é o resultado da ação do cérebro”. A deusa Atena é cerebral, e simbolizada pelo galho de oliveira. O azeite que vem dela é luz, alimento e limpeza. Penélope, para fugir dos pretendentes, tecia a própria mortalha durante o dia e a desmanchava à noite, e assim ganhava tempo, até que seu marido, dado como morto voltasse para casa. O fio de lã usado por Ariadne para sair do labirinto é outro exemplo de como resolver assuntos racionais. No geral, os personagens usam a emoção desvairada. Aquiles, o herói da Ilíada sofre mortais consequências quando se utiliza de muita emoção. Agamenon toma a amante de Aquiles, enquanto Pátroclo usa a armadura de seu amigo, naquele momento fora de combate, mas ele não é Aquiles e acaba morrendo. Por sua vez, Medeia ajudou Jasão a encontrar o velocino de ouro, porém, quando abandonada por ele mata os filhos e depois a noiva do ex-marido com um vestido envenenado.

Segundo Karla Celene, para que a civilização florescesse foi preciso que a razão a guiasse. Mas como controlar as emoções? O lado emocional se forma antes do intelecto. A vida é um cabo de guerra entre lógica e emoção. Os pilares se juntam.

A Curiosidade Incansável é o sexto pilar, que abre os caminhos que nos levam aonde queremos chegar. Segundo o autor, as coisas são o que são, e não o que parecem ser. Devemos explorar todas as dimensões da realidade, fazer perguntas corajosas sobre nós mesmos e nosso mundo, mas sempre aliadas à ação, colocando as respostas em prática. Atena, como deusa, sabia de tudo, mas mandou Telêmaco procurar o pai. Só há sentido na vida, quando procuramos o caminho. “Na psicanálise, o psicoterapeuta descobre o problema, mas a resolução depende da busca e encontro da verdade pelo próprio psicanalisado. A cura é a busca”, diz a palestrante. Psique é salva por um príncipe, mas, caso visse seu rosto, ele desapareceria para sempre. Amam-se no escuro, e um dia ela acende uma lamparina, vê sua beleza, mas uma gota de azeite quente cai no rosto dele acordando-o, e fazendo-o sumir. O livro diz que é a sabedoria que nos instiga. Os filósofos gregos tinham sede e fome de conhecimento, sendo dever moral buscar a verdade, porque ser humano não é calar-se.

O mundo grego era cheio de imperfeições, e continuamos da mesma maneira, imersos num capitalismo feroz. Somos cidadãos e consumidores, e a vida é diferente do que gostaríamos que fosse. Por que acontecem coisas ruins com pessoas boas, e outras sem ética saem bem na vida? Temos de procurar as respostas, e a liberdade é indispensável para podermos fazer as perguntas.

O sétimo pilar é o Amor a Liberdade. Aqui, Karla Celene se mostra inteira, e vemos boa parte dela nessa fala, mas garante ser do autor: “tão necessária quanto o ar que respiramos, a liberdade deixa o humanismo prosperar. Para não ser perigosa, ela precisa se juntar ao autocontrole e à responsabilidade. Ser livre é ser independente para fazer tudo ou não fazer nada. Entra aí o livre-arbítrio, pois escolhemos a vida que vamos levar”. E diz que “é preciso lutar pela liberdade, que não é obtida automaticamente. É preciso brigar por ela, para nos libertar de nós mesmos, nosso grande opressor”. Devemos evitar nos prender em traumas do passado para nos libertar das amarras e sermos livres. Conforme o autor, não alimentar mágoas e rancor ao longo da vida é bom para nos livrarmos de nós mesmos. É preciso voltar ao passado para conseguir abrir as portas da prisão, por mais doloroso que seja voltar. A libertação pode vir quando se revê e se reconcilia com o passado.

O último pilar é o Individualismo. Cada pessoa é um ser único, então, cada um faça de si uma boa pessoa. Isso também será bom para os que nos cercam. Tenhamos orgulho da nossa singularidade e capacidade de produzir grandes feitos. Conseguindo ou não, não devemos desistir. Para isso precisamos triunfar sobre os medos, e nos orgulhar de sermos únicos. Ainda assim somos limitados e precisamos dos demais. Jasão e seus argonautas disseram: “navegar é preciso, viver não é preciso”, ou seja, “preciso” sendo necessário no primeiro caso e “preciso” sendo exato no segundo. É bom termos o outro para fazermos bem a nossa viagem. Narciso não deveria ver a sua bela imagem, senão se encantaria. Quando se viu no espelho d’água ficou paralisado até morrer. O narcisismo ou individualismo exacerbado leva o indivíduo à perdição.

É a memória que nos faz humanos, únicos e individuais, e o esquecimento nos faz perder a individualidade, a não ter identidade. Por piores que sejam as nossas lembranças, sem elas não somos nós, garante Stephen Bertman. Hoje, a sociedade tecnológica tem uma velocidade estonteante. Em princípio, o que é velho é inútil, mas temos de entender o contrário. Somos amassados pelo excesso de informação, mas devemos interromper a máquina acelerada. Isso não é sabedoria, que está sim, naquilo que o tempo consagrou com a força da tradição. É um erro nos deixar robotizar. A solução, para o autor, é substituir bens pelo calor humano.

 *Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

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