quarta-feira, 20 de março de 2013


“Recuerdos de una vida”

* Por Mara Narciso

Sou petulante e corajosa. Vou, gosto e venho contar. Achei a notícia no Blog Minas Livre, e decidi de imediato: dança flamenca no Centro Cultural? Eu vou! Ao chegar, fila para entrar, mas todos com o ingresso na mão. Muita gente conhecida, pois o que acontece de bom faz as mesmas pessoas saírem de casa. Ás 21 h uma das bailaoras – como são chamadas as bailarinas do flamenco - vem anunciar que o espetáculo começa em cinco minutos. Celulares no silencioso, muita gente quer filmar as cenas. Com luzes apagadas, a campainha anuncia que o show vai começar.

Quando as cortinas se abrem vê-se que o local, acanhado e decadente é pequeno para o que vai acontecer. Som e iluminação caprichados, cenário a caráter em todos os detalhes, com vermelho predominante, com cadeiras ao fundo do palco onde estão os cantores e o músico. Foi uma hora e meia de apresentação na qual desfilaram cinco impecáveis mulheres em trajes e talento ao som de músicas que, pela cor, andamento e harmonia contam uma vida, mesmo para quem gostaria de uma legenda.

O vigor do sapateado, num trote que em alguns momentos lembram o tropel de cavalos, mais o doce bailar das mãos, por onde passam castanholas cantantes e leque dançante, tornam ainda mais admirável o que se passa naquele palco. A performance da atriz principal a montes-clarense Elisa Pires Soares foi notável e faria sucesso em qualquer teatro, e nós estávamos ali sendo brindados com toda a emoção que o conjunto significava. Segundo o folder é “uma história bailada ‘al compás Del flamenco’ que retrata de forma emocionante três momentos de uma vida: alegria dos sonhos, a dor das perdas e a vitória da superação”.

A cantora Carol Romano é linda e de voz vibrante, além de Luiz Sangiorgio e quem tocou foi Micael Pancrácio. Numa dança que só tem mulheres, vê-se que elas se entendem pelo olhar e gestos, compartilham, dividem a dança e os sentimentos, sendo generosas e solidárias. O rosto de cada uma delas vai ao compasso da história com sorrisos, tensão, desespero, sofrimento, esperança e retomada da alegria. A cor das vestes dá o tom do que se passa começando com cores alegres, passando pelo preto e por fim o branco em cena. A iluminação altera a cena dando um toque ora dramático, ora mágico, ora feliz.

Tudo escuro, som de velório, uma vela acesa, mulheres de preto, flores mortas, e uma sineta que é um pilão metálico e seu socador. Imita o som de sino chamando para a missa. É o clímax da apresentação. Acende-se a luz e se vê a dor personificada numa mulher de luto, aquela que perdeu tudo, que se contorce de dor, que se martiriza em cena. É muito sentimento derramado, muita carga dramática na face da protagonista, que é uma excelente atriz e muito mais. Para executar esse papel é preciso ser jovem, forte e com muita saúde. O sapateado exige vigor físico de atleta, saber falar com o corpo e com as mãos e ser delicada para dançar com graça. Outra cena para se guardar no cofre da memória.

Então surge a esperança na forma de um adereço de franjas vermelhas sobre o peito. É a transição entre o luto e o renascer. Começa o baile final, com todas de branco. O solo da arquiteta e designer Ana Pires com seu xale foi monumental, num entendimento perfeito entre bailaora e adereço.

O público torce para que a mulher se recupere, e vença o inimigo que não aparece em cena, apenas seus efeitos. Ela vence a adversidade. A comunicação é total. Enfim, uma coisa que todos precisam ver, sentir e aplaudir: dança da Cia Flamenca Pátio Espanhol de BH. Com ela se faz uma viagem mágica à Espanha, com direito a grandes goles de prazer.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   

3 comentários:

  1. Eu imagino a sua emoção Mara, qualquer evento alusivo a arte é belo, mas a dança tem um algo a mais, envolve comprometimento, mergulho
    o sangue do bailarino fica no palco. Abraços Mara.

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    1. Como diz o ditado "fica sempre um pouco de perfume nas mãos de quem oferece rosas", assim como fica alegria em quem dança ou vê dançar. Muito gostoso! Obrigada, Núbia!

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  2. Nunca assisti a um espetáculo de flamenco - imagino que seja bastante interessante. De qualquer forma, seu texto nos reporta muito dessa emocionante experiência. Parabéns, Mara.

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