quinta-feira, 28 de março de 2013


Momentos de êxtase

* Por Pedro J. Bondaczuk

O filósofo norte-americano Will Durant afirmou que "a experiência (uma longa série de sensações) nos ensinou que um momento de êxtase vale por um ano de raciocínio". E vale mesmo. Trata-se da exacerbação dos sentidos, de algo tão intenso que pode até matar (de prazer). Ou santificar uma pessoa. Ou tirá-la para sempre da realidade. Ou torná-la poeta...

A beleza tem este dom de nos enlevar, de nos conduzir à sensação das sensações, de nos proporcionar o máximo do prazer, de nos conduzir à beira da loucura, no sentido da perda de contato com o que é real. O poeta Wallace Stevens afirma, no poema "Deve ser Abstrata - parte III":

"O poema vivifica a vida, e nos permite
por um momento ter a idéia primeira...
Satisfaz a fé num princípio imaculado".

Guilhermino César é mais direto, nestes versos:

"Quero a Terra de todo dia,
com mil pupilas centradas
em pudores ocultos. Quero
uma Terra azul cheia de andorinhas,
de nuvens baixas (para cavalgar), de atalhos,
aonde ir, envergonhado, buscar o lume".

Êxtase, por exemplo, é como aquilo que sentimos durante uma relação sexual satisfatória, em que dois corpos comungam com absoluta harmonia. Mas vai muito além. Trata-se de sensação ligeiramente parecida, mas muito mais profunda, mais intensa e mais inesquecível.

Para atingi-la, requer-se uma postura positiva face ao mundo. O êxtase, esta suprema alegria, não advém, como supõem alguns pseudomísticos (na verdade masoquistas), através da mortificação, do sacrifício, das privações ou da angústia.

Não é encontrado no mundo trágico das drogas, com seus pesadelos lúgubres, embora exista um produto com este nome, vendido quase que livremente, que promete irresponsavelmente conduzir seus usuários ao "paraíso".

Dinheiro algum é suficiente para comprar essa enorme felicidade. O êxtase é a culminância de pequenas satisfações, quase nunca valorizadas, que temos no dia-a-dia e que se somam até se transformar em algo maiúsculo, grandioso, inesquecível.

No meu caso, atinjo-o em situações bastante comuns. Chego a ele quando consigo produzir um texto perfeito, em sua construção formal, nas idéias transmitidas, e na simplicidade por exemplo. Quando chego ao coração alheio e me faço compreendido. Quando recebo reciprocidade pelo amor que sinto. Quando levo consolo e esperança a quem precise. Quando me sinto útil e sou importante pela capacidade de servir. Quando transmito confiança e consigo orientar os outros. Embora profissional do texto, que é o meu ganha pão, escrevo não com vaidade, nem com raiva, ou mecanicamente. Faço-o com alegria.

Gosto do que faço e não troco essa satisfação tão simples por nenhuma outra das tantas que as pessoas procuram. Pouco importam minhas privações materiais se preencho minha vida de beleza. Nenhum sofrimento me abala se me alimento de poesia.

Enquanto a maioria dos escritores tem como matéria-prima os becos escuros da alma, os sentimentos trágicos, os acontecimentos tétricos, os instintos selvagens ou os atos primitivos, prefiro concentrar-me no lado belo da existência.

Gosto de tratar de emoções simples. A beleza está na simplicidade. Dizem que a felicidade é sem graça e não se presta à literatura. Puro engano. A morte, embora me atemorize, é que não me fascina. A violência, em todas as suas formas e manifestações, me causa repugnância.

Amo a beleza, a solidariedade, a delicadeza. E, como ressalta Pablo Neruda no livro "Confesso que vivi", "a poesia é sempre um ato de paz. O poeta nasce da paz como o pão nasce da farinha. Os incendiários, os guerreiros, os lobos buscam o poeta para queimá-lo, para matá-lo, para mordê-lo. Um espadachim deixou Pushkin ferido de morte entre as árvores de um parque sombrio. Os cavalos de pólvora galoparam enlouquecidos sobre o corpo sem vida de Pettofi. Lutando contra a guerra morreu Byron na Grécia. Os fascistas espanhóis iniciaram a guerra na Espanha assassinando seu melhor poeta".

Sigo a recomendação do pensador budista japonês, Daisaku Ikeda, que ao comentar a responsabilidade social que o escritor tem perante seu público, como orientador de comportamentos, dá a entender que ninguém sai lucrando com a exploração das misérias humanas. Que se deliciar com a desgraça de personagens lançados de ponta-cabeça no inferno dos seus vícios, neuroses e loucuras, é um desvio doentio de personalidade.

Não vejo arte alguma na banalização da morte. Não vislumbro nada de estético na apologia do assassinato feita especialmente pelo cinema, mas também explorada em romances, contos e novelas. Não identifico qualquer heroísmo na supressão de vidas alheias, seja qual for o pretexto, mesmo que em simples enredos de ficção.

Parodiando Wallace Stevens, no poema "Treze maneiras de olhar para um melro, parte III", também afirmo, como ele:

"não sei se prefiro
a beleza das inflexões
ou das insinuações,
o assovio do melro
ou o instante depois..."

Somente um louco sanguinário consegue atingir o êxtase diante da morte. Apenas um sádico perverso aprecia o sofrimento, físico ou moral, de quem quer que seja. Amo a vida, a beleza e a alegria. Não descrevo sonhos, deliro... Sou poeta!

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 





Um comentário:

  1. Lembrei-me do poema musicada Brejo da Cruz, de Chico Buarque. Entendi errado? Veja a letra abaixo:
    Brejo da Cruz
    Chico Buarque

    A novidade
    Que tem no Brejo da Cruz
    É a criançada
    Se alimentar de luz
    Alucinados
    Meninos ficando azuis
    E desencarnando
    Lá no Brejo da Cruz
    Eletrizados
    Cruzam os céus do Brasil
    Na rodoviária
    Assumem formas mil
    Uns vendem fumo
    Tem uns que viram Jesus
    Muito sanfoneiro
    Cego tocando blues
    Uns têm saudade
    E dançam maracatus
    Uns atiram pedra
    Outros passeiam nus
    Mas há milhões desses seres
    Que se disfarçam tão bem
    Que ninguém pergunta
    De onde essa gente vem
    São jardineiros
    Guardas-noturnos, casais
    São passageiros
    Bombeiros e babás
    Já nem se lembram
    Que existe um Brejo da Cruz
    Que eram crianças
    E que comiam luz
    São faxineiros
    Balançam nas construções
    São bilheteiras
    Baleiros e garçons
    Já nem se lembram
    Que existe um Brejo da Cruz
    Que eram crianças
    E que comiam luz

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