segunda-feira, 18 de março de 2013


Rudimentos do pensamento kleiniano

A psicanalista austríaca Melanie Klein é considerada uma espécie de “continuadora” de Sigmund Freud, embora muitos vejam na teoria que criou uma espécie de “contestação” às idéias dele. Entendo, todavia, que esse termo é inadequado. O que ela fez foi ampliar os conceitos do mestre, em vez de contestar suas conclusões e, sobretudo, emprestar dinamismo às suas principais propostas. O pensamento de ambos, no meu entendimento de leigo na matéria, em vez de conflitar, complementa-se.

Por exemplo, Freud, ao tratar do desenvolvimento de uma pessoa logo após o nascimento, propôs que este se dá em três fases distintas: oral, anal e genital. Klein concorda com essa divisão, mas em vez de afirmar que elas sejam separadas, individualizadas e que ocorrem uma após a outra, constatou que elas são simultâneas. Ou seja, estão presentes no bebê desde os três primeiros anos de vida e ao mesmo tempo. Ao se comparar as teorias freudiana e kleiniana nota-se, nitidamente, que é o dinamismo da segunda que a diferencia da primeira.

Melanie Klein introduziu na psicanálise o conceito das “posições”. Ele é muito importante na sua escola. Afinal, o psiquismo funciona a partir delas, e todos os demais desenvolvimentos são invariavelmente baseados em seu funcionamento. E quais seriam estas posições? São, conforme Klein propôs, a esquizoparanóide e a depressiva, que começam no nascimento e terminam na morte. Todos os problemas emocionais, como neuroses, esquizofrenias e depressão são analisados a partir dessas duas posições. Por isso, em uma análise kleiniana, não se trata de trabalhar os conteúdos reprimidos. É preciso “equacionar” as ansiedades depressivas e ansiedades persecutórias. É necessário que o paciente perceba que o mundo não funciona em preto e branco. Que é possível amar e odiar o mesmo objeto, sem medo de destruí-lo. Em outras palavras, não adianta trabalhar o sintoma (neurose) se não forem trabalhados os processos que levaram ao seu surgimento. E estes são, reitero, as ansiedades persecutórias e as ansiedades depressivas.

Tentarei explicar, da forma mais didática possível (portanto, sem tecnicismos) o cerne da teoria kleiniana. Caso o leitor não entenda, a falha, óbvio, não é a de quem a criou, mas de quem tentou explicá-la, no caso, eu. Para Melanie Klein, existe um mundo interno, formado a partir das percepções do mundo externo, colorido com as ansiedades deste último. Com isso os objetos, pessoas e situações adquirem cor especial. O seio materno é, óbvio, o primeiro objeto de relação da criança com o mundo externo. E ele é tanto percebido como bom (quando amamenta), quanto como mau, quando não alimenta na hora em que a criança deseja. Mas é impossível satisfazer a todos os desejos do bebê. Invariavelmente ele tem os dois registros desse mesmo seio, um bom e um mau. Esse conceito também é muito importante no estudo da formação de símbolos e desenvolvimento intelectual.

Outro aspecto dessa tese de Klein é o de que os bebês desenvolvem, logo que nascem, dois sentimentos básicos: amor e ódio. É como se a vida fosse um filme em branco e preto: ou se ama, ou se odeia. É fácil, portanto, perceber que a criança ama o “seio bom” e odeia o “mau”. O primeiro sacia sua fome e o segundo não o faz no momento em que ela quer. O problema é que na phantasia do bebê, o “seio mau”, (objeto interno), vai se vingar dela pelo ódio e destrutividade que lhe são direcionados. Esse medo de vingança é chamado de ansiedade persecutória. Quando nos defrontamos com algum perigo – como por exemplo, um assaltante armado ao passearmos por um parque, à noite – nosso instinto nos impele à fuga ou à reação para preservar nossa integridade física. Essa reação é chamada, em psicanálise, de defesa. O conjunto de ansiedade persecutória e suas respectivas defesas são chamados por Klein de “poisição esquizoparanóide”.

Ficou claro? Espero que sim. Informo o leitor que, para tentar explicar esses conceitos didaticamente, recorri à enciclopédia eletrônica Wikipédia, até para ordenar as ideias e não me perder em verborragia inútil. Com o desenvolvimento, o bebê percebe que o mesmo objeto que odeia (seio mau) é o que ama (o bom). Nota que os dois registros fazem parte de uma mesma pessoa. E que esta é a mãe. Ao perceber isso, passa a temer perder o seio bom, pois receia que seus ataques de ódio e voracidade, ao considerá-lo mau, o tenham danificado ou até matado. Esse temor da perda do objeto bom é chamado por Klein de “ansiedade depressiva”. E o conjunto desta e de suas respectivas defesas do ego são chamados por ela de “posição depressiva”. Ao leitor que desejar conhecer melhor as ideias dessa notável psicanalista, recomendo que leia seus livros, mas que não se limite à leitura, contudo os estude meticulosamente. Seu pensamento, a propósito, é fascinante.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. A minha mãe tinha essas noções da psicanálise. Nunca soube onde ela aprendeu, mas costumava falar sobre esses conceitos tratados aqui. Gostei muito de lê-los.

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