quinta-feira, 21 de março de 2013


A arte de nivelar por baixo
 
* Por Fernando Yanmar Narciso

Preconceito é um problema sério que todos enfrentamos. Ninguém gosta de se sentir menosprezado, excluído só por pertencer a uma minoria. No entanto, o que acontece quando a descriminação parte do próprio descriminado? Pois, a cada dia, parece que os eternos alvos de preconceito têm preferido abraçar os estereótipos pejorativos ao invés de tentar acabar com eles.

Lembram-se daqueles caipiras caricatos dos desenhos animados com toda a preguiça, a embriaguez, o incesto, a falta de cultura e sempre com um rifle a tira-colo? Pessoas com bom senso deveriam ajudar a erradicar essa versão preconceituosa dos camponeses, mas não é isso que tem acontecido. Atualmente, a moda nos Estados Unidos é a “redneck TV”, reality shows que se passam em cidadezinhas onde mal existe eletricidade ou água encanada. O que traz lucro às emissoras atualmente é ser barbudo, desdentado, não ter o menor senso de higiene, mal ter completado o ensino fundamental e sentir muito orgulho de tudo isso. Dos 10 programas mais vistos na televisão por assinatura americana, 40% são sobre famílias residentes dos lugares mais ferrados do país, que mostram sem o menor pudor como é a “vida real” nos Piauís e Maranhões deles.

Atualmente o programa mais assistido dessa modinha é Os Reis dos Patos, exibido aqui pelo canal A&E. A família Richardson, residente de Louisiana, construiu um império milionário vendendo apitos para caça aos patos, mas nem por isso eles se preocuparam em contratar um R.P para melhorar sua imagem profissional e, obviamente, pessoal. A coleção de barbas longas e grisalhas dos Richardson devia ser publicada na Playboy do Afeganistão. O festival de demonstrações da “sabedoria” matuta é digno dos documentários de Michael Moore. Num certo episódio, o senil tio Si- Nem perguntem o nome completo dele- deixou um monte de criancinhas traumatizadas pelo resto da vida, ao contar sangrentos causos de quando ele serviu no Vietnã.

Quando não estão vendendo apitos, o clã dos barbudos está embrenhado no pântano, caçando ou fazendo estripulias ridículas obviamente roteirizadas. Afinal, ninguém é capaz de se fazer de palhaço com tamanha naturalidade só na base do improviso. Mas a família Richardson parece até uma reunião do G-20 em comparação aos outros programas da mesma linha. Vindo na “rabeira” deles, há o deliciosamente trash Here Comes Honey Boo-Boo. June Thompson, uma mãe monstruosamente obesa e estúpida da Geórgia, vive de inscrever a filha de sete anos Alana “Honey Boo-Boo” em concursos de miss infantil, que são uma febre nos rincões sulistas. Apesar do carisma inegável da menina, Momma June é a verdadeira dona do picadeiro. Lembrando um cruzamento entre Carminha e Jabba the Hutt, ela estupra semanalmente a audiência com sua xucrice politicamente incorreta, sua mania de comer tudo com manteiga (incluindo veados atropelados), sua flatulência incontrolável e suas tentativas frustradas de manter o marido desempregado e suas três filhas na rédea curta. Se as pessoas que assistem ao Chavesjá eram acusadas de ter Q.I de ameba, imaginem quem assiste à família Thompson...

Em determinado ponto da crise americana, esses pobres matutos devem ter pensado, ou pensaram para eles: Quer saber? Lutar contra o preconceito e me aprimorar intelectual e socialmente dá uma canseira daquelas, e eu ainda tenho que pagar as contas no fim do mês. Então, por que eu não me mostraria ao mundo como eles acham que nós somos em troca de uns caraminguás? E agora, os tão alardeados 99% da população americana também dominam as antenas de TV.

Se tentassem lançar esse tipo de programa por aqui com um elenco nacional, certamente as emissoras perderiam as concessões. Mas, a bem da verdade, o Brasil não está tão distante assim da realidade dos Jecas Tatus estadunidenses. Se há um programa que me enerva atualmente é o Esquenta, capitaneado por Regina Casé nas tardes de domingo. A única coisa que ela faz no programa é seguir os ensinamentos do velho guerreiro Chacrinha, propagando o velho estereótipo de que o povo só gosta de ouvir porcaria. Segundo os diretores e a apresentadora, o pobre- perdão, a classe emergente- não pode apreciar entretenimento erudito, apenas modismos como funk, axé, tecnobrega, pagode e sertanejo universitário. Cérebro pra quê, minha gente? Quem quer se divertir tem mesmo é que desligar a cachola e cair na farra! Chega a dar saudade dos primórdios do canal, quando eles tinham o programa Concertos para a Juventude, nas manhãs de domingo...

Mas, em matéria de estereotipismo, as novelas atuais são insuperáveis quando se trata de vender uma imagem caricata dos emergentes e/ou favelados. Queremos mais periguetes e mais gente que só sabe passar o dia falando mal da vida dos outros e conversar apenas aos berros! O povo é isso!


3 comentários:

  1. Discordar do quê nesse texto, totalmente coerente
    bem escrito e livre das receitas de miojo de certas redações. Parabéns Fernando, sou sua admiradora.
    Abração.

    ResponderExcluir
  2. Seguiu uma interessante lógica de argumentação, com algumas pitadas de humor politicamente incorreto.

    ResponderExcluir
  3. O que dizer com o nome da cabra Ariana da novela (não assisto)"Flor do Caribe"? O autor presta uma homenagem ao escritor paraibano por ser apaixonado por caprinos. Ariano já chegou à dizer: "Eu não gosto dessa raça de escritores...prefiro criar cabras!" A Globo não cansa de ser ridícula com essas novelas e a incontinenti autorização!!!

    ResponderExcluir