quinta-feira, 14 de março de 2013


Pelo bem ou pelo mal da dramaturgia
 
* Por Fernando Yanmar Narciso

Vamos dizer que você chegou mais cedo do trabalho e tomou um tremendo susto ao achar sua esposa ou marido com outro/ outra na cama. Depois de moer os dois na porrada, se iniciará a fase da paranóia. Logo vai começar a enxergar inimigos por toda parte, e acusar a todos ao seu redor de já saberem do tal caso e nunca terem lhe dito uma palavra, tendo rido de você pelas costas todo aquele tempo. De acordo com a sabedoria popular e, sobretudo, as novelas, esse é o procedimento padrão pelo qual todos que recebem um par de chifres devem passar. Mas e se o tal caso também for uma surpresa para as pessoas com quem você convive? E se, surpreendentemente, ninguém desconfiasse de nada? Podem apostar que isso já aconteceu muito, apenas não recebe tanta atenção porque é muito mais “divertido” e útil ao drama se o corno continuar sendo o último a saber de tudo.

Poderia haver mais surpresas desse tipo nas novelas. João Emanuel Carneiro volta e meia vira do avesso alguns clichês clássicos, só pra ver a reação do público. Ninguém, tirando os telespectadores, sabia do caso de Carminha com Max, e eles transaram na casa do clã Tufão, embaixo do nariz de todo mundo, por mais de uma década! Para o bovino Tufão a descoberta foi um choque, mas imaginem se nós também não soubéssemos de nada? O Ibope, que já tinha batido o recorde, teria subido à estratosfera.

Em A Favorita JEC foi ainda mais longe: Até o capítulo 80, ninguém, nem dentro nem fora da tela, desconfiava que Flora fosse a grande vilã psicótica. Algumas telespectadoras, que torciam para que a personagem fosse a mocinha, contaram ao autor que chegaram a passar mal. Na mesma Avenida Brasil, apesar de a idéia ter cara de “vê se cola”, ninguém esperava descobrir que o bom velhinho Santiago era, na verdade, um bandido mais demoníaco que sua filha Carminha, tanto que na reta final ela teve de reavaliar todo o mal que havia causado, ao constatar que havia se tornado uma sósia paraguaia do pai. O vovô só faltava ser canibal!

Transgredir estereótipos e convenções costuma fazer um bem danado para qualquer história, no entanto, Gloria “Matusquela” Perez continua se recusando a aceitar a fuga do convencional. A falta de surpresas só é ultrapassada pela despudorada falta de realismo dos seus roteiros. Pensem na vilã ruim de briga Wanda de Salve Jorge, por exemplo. Morena já rolou no chão com a traficante duas vezes. A mãe da mocinha, Lucimar, deu um troco na megera semana passada, numa cena porcamente dirigida que foi odiada até pela própria autora.

Só que dessa vez o mico foi muito pior, pois Wanda trazia uma faca de gângster e, pasmem, um REVÓLVER na bolsa, e não conseguiu pensar num bom uso para nenhuma das duas armas! Fico pensando... Ela chegou a apontar a arma pra Morena várias vezes e nunca quis atirar, o que é incompreensível, afinal, para os vilões ela devia ser só mais uma escrava. A heroína perdeu muitas chances de esganá-la até a morte. Lucimar até tomou a faca das mãos da vilã durante a briga. Será que não passou pela cabeça da autora que ela podia muito bem ter esfaqueado a bandida naquela hora? Com a delegada Helô enfim caindo em si e deflagrando o esquema do tráfico humano, até que valeria a pena matar Wanda e ficar um tempo na prisão. Agora haveria uma pessoa desprezível a menos no mundo.

Mas Glorinha está de mãos atadas. Vilania não é exatamente a sua especialidade, e o único motivo de a personagem continuar viva é que ela faz mais sucesso que Lívia, a Darth Vader oficial. Se a intérprete da mesma não estivesse se superando em canastrice, a realidade seria outra. Imaginem como a novela estaria muito mais interessante se, até o presente momento, a audiência também não soubesse que Claudia Raia é a líder da quadrilha, e continuássemos torcendo para ela ajudar Morena até o último capítulo. Muita gente nem conseguiria dormir naquela noite, depois que Lívia se revelasse como o anticristo em pessoa...

Outro caso sem solução é o Capitão Théo, vulgo O Cara. A novela perto de chegar ao fim e o ator ainda não sabe a que o personagem veio. Para alguém que jurou amor eterno à Morena, o sujeitinho já foi passado de mão em mão mais do que um baseado: Já alternou entre Morena e a Tenente Érica muitas e muitas vezes, andou se engraçando com a melhor amiga de Érica, propôs novamente casamento à Érica ao saber que Morena “morreu” e agora, contrariando todas as leis do ridículo, dona Glorinha vai fazê-lo ter um caso com CLAUDIA RAIA! A bandida-mor! Vai ser o casal de brinquedo: O João-teimoso com o bonecão de Olinda. A autora vem anunciando esse “romance”desde a sinopse da novela, e o Brasil rejeita tal idéia por unanimidade. Mas era esse o plano B da autora desde o começo. Se antes ela dizia que faria O Cara cair de amores pela bandida, ela agora fará Théo levar a mafiosa pra cama só para arrancar dela a informação de onde Morena está, para depois dar um pé na bunda nela. E a autora espera que, com essa atitude desmedida, o galã se redima com a audiência. Chose de loque, como diria o personagem de Jô Soares.

Quando o assunto é novela de Gloria Perez, tudo é possível, menos fazer o Brasil gostar da atual.


Um comentário:

  1. Quem escreve novelas precisa pensar melhor no detalhamento e ter uma comissão de críticos permanente para evitar a inverossimilhança. Estamos vendo outro caso de história absurda que não fere apenas os bons costumes, mas a inteligência do telespectador.

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