Pelo bem
ou pelo mal da dramaturgia
* Por Fernando Yanmar Narciso
Vamos dizer que você chegou mais cedo do trabalho e
tomou um tremendo susto ao achar sua esposa ou marido com outro/ outra na cama.
Depois de moer os dois na porrada, se iniciará a fase da paranóia. Logo vai
começar a enxergar inimigos por toda parte, e acusar a todos ao seu redor de já
saberem do tal caso e nunca terem lhe dito uma palavra, tendo rido de você
pelas costas todo aquele tempo. De acordo com a sabedoria popular e, sobretudo,
as novelas, esse é o procedimento padrão pelo qual todos que recebem um par de
chifres devem passar. Mas e se o tal caso também for uma surpresa para as
pessoas com quem você convive? E se, surpreendentemente, ninguém desconfiasse
de nada? Podem apostar que isso já aconteceu muito, apenas não recebe tanta
atenção porque é muito mais “divertido” e útil ao drama se o corno continuar
sendo o último a saber de tudo.
Poderia haver mais surpresas desse tipo nas
novelas. João Emanuel Carneiro volta e meia vira do avesso alguns clichês
clássicos, só pra ver a reação do público. Ninguém, tirando os telespectadores,
sabia do caso de Carminha com Max, e eles transaram na casa do clã Tufão,
embaixo do nariz de todo mundo, por mais de uma década! Para o bovino Tufão a
descoberta foi um choque, mas imaginem se nós também não soubéssemos de nada? O
Ibope, que já tinha batido o recorde, teria subido à estratosfera.
Em A Favorita JEC foi ainda mais longe: Até o capítulo 80, ninguém, nem
dentro nem fora da tela, desconfiava que Flora fosse a grande vilã psicótica.
Algumas telespectadoras, que torciam para que a personagem fosse a mocinha,
contaram ao autor que chegaram a passar mal. Na mesma Avenida Brasil,
apesar de a idéia ter cara de “vê se cola”, ninguém esperava descobrir que o
bom velhinho Santiago era, na verdade, um bandido mais demoníaco que sua filha
Carminha, tanto que na reta final ela teve de reavaliar todo o mal que havia
causado, ao constatar que havia se tornado uma sósia paraguaia do pai. O vovô
só faltava ser canibal!
Transgredir estereótipos e convenções costuma fazer
um bem danado para qualquer história, no entanto, Gloria “Matusquela” Perez
continua se recusando a aceitar a fuga do convencional. A falta de surpresas só
é ultrapassada pela despudorada falta de realismo dos seus roteiros. Pensem na
vilã ruim de briga Wanda de Salve Jorge, por exemplo. Morena já rolou no
chão com a traficante duas vezes. A mãe da mocinha, Lucimar, deu um troco na
megera semana passada, numa cena porcamente dirigida que foi odiada até pela
própria autora.
Só que dessa vez o mico foi muito pior, pois Wanda
trazia uma faca de gângster e, pasmem, um REVÓLVER na bolsa, e não conseguiu
pensar num bom uso para nenhuma das duas armas! Fico pensando... Ela chegou a
apontar a arma pra Morena várias vezes e nunca quis atirar, o que é
incompreensível, afinal, para os vilões ela devia ser só mais uma escrava. A
heroína perdeu muitas chances de esganá-la até a morte. Lucimar até tomou a
faca das mãos da vilã durante a briga. Será que não passou pela cabeça da
autora que ela podia muito bem ter esfaqueado a bandida naquela hora? Com a
delegada Helô enfim caindo em si e deflagrando o esquema do tráfico humano, até
que valeria a pena matar Wanda e ficar um tempo na prisão. Agora haveria uma
pessoa desprezível a menos no mundo.
Mas Glorinha está de mãos atadas. Vilania não é
exatamente a sua especialidade, e o único motivo de a personagem continuar viva
é que ela faz mais sucesso que Lívia, a Darth Vader oficial. Se a intérprete da
mesma não estivesse se superando em canastrice, a realidade seria outra.
Imaginem como a novela estaria muito mais interessante se, até o presente
momento, a audiência também não soubesse que Claudia Raia é a líder da
quadrilha, e continuássemos torcendo para ela ajudar Morena até o último
capítulo. Muita gente nem conseguiria dormir naquela noite, depois que Lívia se
revelasse como o anticristo em pessoa...
Outro caso sem solução é o Capitão Théo, vulgo O
Cara. A novela perto de chegar ao fim e o ator ainda não sabe a que o personagem
veio. Para alguém que jurou amor eterno à Morena, o sujeitinho já foi passado
de mão em mão mais do que um baseado: Já alternou entre Morena e a Tenente
Érica muitas e muitas vezes, andou se engraçando com a melhor amiga de Érica,
propôs novamente casamento à Érica ao saber que Morena “morreu” e agora,
contrariando todas as leis do ridículo, dona Glorinha vai fazê-lo ter um caso
com CLAUDIA RAIA! A bandida-mor! Vai ser o casal de brinquedo: O João-teimoso
com o bonecão de Olinda. A autora vem anunciando esse “romance”desde a sinopse
da novela, e o Brasil rejeita tal idéia por unanimidade. Mas era esse o plano B
da autora desde o começo. Se antes ela dizia que faria O Cara cair de amores
pela bandida, ela agora fará Théo levar a mafiosa pra cama só para arrancar
dela a informação de onde Morena está, para depois dar um pé na bunda nela. E a
autora espera que, com essa atitude desmedida, o galã se redima com a
audiência. Chose de loque, como diria o personagem de Jô Soares.
Quando o assunto é novela de Gloria Perez, tudo é
possível, menos fazer o Brasil gostar da atual.
*Designer e escritor. Sites: HTTP://cyberyanmar.deviantart.com
e HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br
Quem escreve novelas precisa pensar melhor no detalhamento e ter uma comissão de críticos permanente para evitar a inverossimilhança. Estamos vendo outro caso de história absurda que não fere apenas os bons costumes, mas a inteligência do telespectador.
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