quarta-feira, 6 de abril de 2011


Band-aid


* Por Suzana Vargas


Moça debruçada na janela,

como é bonito vê-la através

de tantos carros passeando na avenida,

e tendo ao fundo a luz mortiça

de desbotadas paredes

onde repousam tantos tesouros

do tempo "a velha foto da avó"

um poster da seleção,

ainda com Garrincha


Você se recosta

e equilibra

toda a loucura do universo

num só braço

o outro cruza

em direção às flores mortas

de um vaso alto e antigo,

desejoso de festas.


O sobrado se desgasta,

alguns musgos

o guardam.

No alto,

em letras ancestrais, está escrito "HOTEL"

e quase opacas.

Em baixo,

o luminoso

onde se lê "farmácia"


Fique aí,

fixe aí, você

que não sei de onde vem,

que não sabe onde está,

de quem desconheço a história Mas que pertence ao sobrado,

ao Estado,

ao país.

Longos cabelos negros,

os pensamentos tão longos

presos nos carros que passam "Fique"

com seu bisavô na parede,

a tinta rosa mofando seus vitrais


Enquanto logo abaixo

dos pêlos do seu braço,

o luminoso pisca

pisca e pisca,

Ainda dentro deste século.


* Poetisa gaúcha, radicada no Rio de Janeiro, autora de literatura infantil e ensaísta. Tem 16 livros publicados, entre os quais “Sombras chinesas” , “Caderno de Outono” (indicado ao Prêmio Jabuti) e “O amor é vermelho”.

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