quarta-feira, 2 de setembro de 2009




Todos nós somos professores

* Por Seu Pedro

Acabei por ficar uma hora ensinando aquele grupo de jovens, que todos nós somos professores, cada um em sua matéria, em sua especialidade Pois lá íamos, em grupo, olhando as belezas do parque com suas cachoeiras. De nós se aproxima um homem de meia-idade, com cara de que já tinha o dobro. Ao me ver, presenteou-me com um largo sorriso, pelo qual, como uma janela indiscreta, deixava-nos ver os cacos de dentes com os quais roia os ossos vida. Alegre, confessou-me ter, no último mês, faturado um salário mínimo com as vendas para reciclagem das latinhas vazias de cervejas e refrigerantes, que junta, limpando o local que nós, agentes poluidores, insistimos em sujar..

Seu Gregório segue, de sandálias de couro, pela madrugada, antes do sol se abrir e as cervejas e refrigerantes também. Passa bom tempo recostado em um banco, e assim observa os passos do sol ao amanhecer e cada movimento dos astros, ao despedir da lua. E tem tantas anotações feitas que, como Galileu, já pode ser chamado de astrônomo. Por que, então, não de professor? Ele, que não sabe escrever corretamente, aprendeu, soberanamente, a ler os mapas das constelações, no caminho do universo estelar.

Quando perco o sono, caminho até o parque, encontrando Gregório, que então se põe a me ensinar coisas que eu até posso ter teoricamente aprendido nos bancos escolares, mas não com a beleza presencial. E me aponta o Cruzeiro do Sul, me explica sobre Andrômeda, sobre as constelações Cão Maior e Cão Menor, sobre Capricórnio; enfim, me faz viajar pelas 88 constelações por nós, da terra, visualizadas.

Por causa daquele homem, uma atenta raposa, animal que também dá nome a uma constelação, eu sei das influências na maré e consigo notar o relacionamento dos astros com meu comportamento físico. E assim foi que eu naveguei por mares que nunca antes por mim foram navegados. Enriqueceu-me, mesmo que eu já esteja próximo de abandonar qualquer fortuna da terra. Guardo comigo o tesouro do baú de Gregório, que também me ensinou que tesouros não se guardam em baús de madeira, que o cupim destrói. Distribuem-se enquanto têm valor. Cada aprendizado, quando é para o bem, muda para melhor a vida do homem, fazendo-o esquecer, ou contornar, certas dores físicas. E assim me esqueço da insônia, deixo de rolar na cama e saio em direção ao parque e lá participo de mais uma aula.

E foi por isto que, ao se aproximar daquele grupo, naquele dia, eu o chamei de professor e o abracei, desconhecendo os trapos que vestia, causando espanto aos jovens que me acompanhavam e em pensamento indagavam: “Professor de que?”. Isto me obrigou a ministrar uma aula ao ar livre para dizer que cada um é um professor. Gastei, feliz, mais uma hora para falar de astronomia, porque, afinal, como aprendi; o tesouro tem que ser distribuído e eu não deveria, naquele momento, deixar passar aquela oportunidade.

* Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário