quarta-feira, 23 de setembro de 2009


Literatura e ideologia

Caríssimos leitores, boa tarde. O tema que trago, hoje, à baila é dos mais polêmicos e é daqueles que sempre que são tratados, geram controvérsias e dividem opiniões. Foi levantado por um leitor, que não vê nada de errado em utilizar a literatura como veículo de ideologias que preguem justiça e liberdade dos povos. Creio que, retoricamente, todas apregoem isso. Mas na prática... Particularmente, não gosto de misturar as coisas. Mas achar que se pode fazer Literatura absolutamente neutra, sem nenhum ranço ideológico, me parece imensa ingenuidade.
Na poesia, por exemplo, oponho-me a poemas que mais pareçam panfletos de propaganda do que obras de arte. A mistura de movimentos ideológicos com literários tende a ser mais explosiva do que nitroglicerina. Salvo alguma exceção (que desconheço) acaba por poluir a ambos. Ou seja, a ideologia e a Literatura.
Há, porém, um conceito, mistura dos dois, que considero válido e justo. Refiro-me à “Negritude”. E por que penso assim? Porque não é segredo para ninguém a forma vil e covarde com que os povos da África foram tratados ao longo da chamada História Moderna (iniciada com a queda de Constantinopla, em 1454).
Refiro-me a essa indecência terrível e injustificável, que foi a escravidão, e à atitude de rapina das potências européias, em relação ao continente negro, a tal da “colonização”, empreendida pela França, Grã-Bretanha, Bélgica e Alemanha, a partir de 1880.
René Maran, autor de “Batouala”, é considerado, historicamente, como o precursor do movimento “Negritude”. Mas o termo em si, e não propriamente o conceito que nomeou, foi criado, em 1935, por Aimé Césaire. Esse escritor africano usou-o, pela primeira vez, em um artigo que publicou no número três da revista “L’Étudient noir” (“O Estudante Negro”).
Os criadores do Negritude tinham em mente, pelo menos no início, a reivindicação da identidade negra e de sua cultura perante a dos colonizadores e repressores dos povos africanos. Não tinha, pois, conotação política.
Quem, no entanto, deu impulso à idéia, fazendo dela mais do que mera corrente artística, notadamente literária, foi um dos maiores poetas e intelectuais da África, presidente, por décadas, do Senegal após a sua independência (que inclusive esteve no Brasil, onde participou de histórica sessão da Academia Brasileira de Letras), Leopold Sedar Senghor.
Negritute, paulatinamente, transformou-se em ideologia política. A partir de 1947, impulsionou o movimento maciço de libertação dos povos africanos, que resultaria na independência da totalidade dos atuais países do continente. Essa corrente de pensamento, que começou nas colônias francesas, espalhou-se logo pela África inteira, mas acabou desvirtuada, enquanto corrente exlusivamente literária.
Ressalte-se, a bem da verdade, que vários intelectuais brancos, franceses, apoiaram, entusiasticamente, o movimento. Jean-Paul Sartre foi um deles. O criador do “existencialismo” definiu esse conceito da seguinte forma: “Negritude é a negação da negação do homem negro”.
Posteriormente, alguns escritores (negros e mestiços) condenaram o movimento. Alguns, achavam-no retórico demais, rústico e simplificador e, sobretudo, pouco prático. Outros, por seu turno, entendiam o oposto, ou seja, que era muito radical.
O nigeriano Wole Soyinka – ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura – justificou suas críticas, em relação ao Negritude, da seguinte forma: “O tigre não declara sua ‘tigritude’ Salta sobre sua presa e a devora”.
Fora da África, o movimento teve alguma repercussão (relativamente pequena) apenas na França e em suas (ainda) colônias nas Antilhas e na Ásia. No Brasil, após a visita de Senghor, chegou a se esboçar o surgimento de uma “literatura negra”. Mas não teve, nem de longe, o impacto havido na África. E você, paciente leitor, o que acha dessa mistura de ideologia com Literatura? E, especificamente, do Negritude?

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. Divide-se o Brasil em apoiadores e detratores do sistema de cotas nas universidades. Os contrários acreditam que esse sistema é racista, e estimula o preconceito. Os favoráveis acham que muito se fez para estimular a desigualdade e que é chegada a hora de se desfazer o mau feito, tentando repor algumas das perdas mais recentes. Nessa e noutras questões a desigualdade é muito forte. Negar o tema não torna as diferenças menos gritantes e nem o racismo mais ameno. Falar muito pode levar ao risco da banalização. A literatura é um bom canal e excelente mostruário. Não se faz favor nenhum em dar oportunidade para todos, e se as pessoas não são iguais, não deverão ser tratados da mesma forma. Sem ranço e nem ódio, mostrar o que ainda se diz e se fala do negro no Brasil é útil. Então viva a literatura como caminho para a negritude, até mesmo a panfletária.

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