De bem com a vida, em 8 de setembro de 2009
* Por Cacá Mendes
Vejamos no bem das coisas: Marcel acorda numa terça-feira magra e abafada num sol prestes a se apagar, depois de um fim de semana esticado por um sete de setembro daqueles bem chatos. Mas São Paulo é uma cidade linda, linda de morrer em qualquer manhã de sol. Mas, no de repente tudo vira chuva e vento em ruas entupidas de carros e ônibus lotados de povo pelos ladrões.
Marcel olha aquilo que não se move, mas sendo-o um felizardo que é, de bem com a vida, sabe, sabe, nunca perderá o bom-humor, nunca. Never, never. Tira o notebook da mala, enquanto se agita com uma música no som do carraço blindado, liga a sua secretária e decreta iniciado o expediente. Como nada anda mesmo, porque afinal a cidade está mergulhada em lixo (contenção de verbas, sabe), entulho e nos excessos de veículos o nosso personagem paulistano bem motorizado, não altera o seu humor.
Já passa da uma da tarde e ele ainda não conseguiu chegar no longe do seu trabalho, liga para um chine in box (ao menos, as motos andam entre um e outro carro, assim não tem erro e de fome não vai morrer nos por aís das ruas), assim mata logo quem lhe ameaça a vida.
Bom, saciado a fome, depois de uma pequena pausa, ainda despachando coisas por e-mail e celular, abre uma goma de mascar daquelas que dispensam escovar os dentes e tudo resolvido. Assim, poderá chegar mais tarde no trabalho, sem problemas... Afinal, o que havia de mais urgente já fora resolvido online.
Passa das 16 horas e ainda não chegou ao seu trabalho, e como ainda está na metade do caminho resolve terminar o expediente nos aí mesmos e dar meia perna na volta e correr (correr?) pra casa. Se não, dali a pouco poderia começar a perder o humor... E uma pessoa de bem com a vida não, não poderia se resvalar no rés-do-chão e botar tudo, tudo a perder nos becos das ruas. Never, never.
(Estes “never, never” ele os repetia no sempre, como que para taxar e selar suas convicções).
18h30 e as marginais, a Paulista, a Rebouças, lotadaças, e se tudo der certo lá pelas 21 horas chegará em casa, logo ali em Santana, antes do Tucuruvi... Mas pensando bem, resolve pedir uma pizza, pois aquele chinês na caixa não deu pro cheiro. E pensando melhor ainda, resolve encerrar o seu dia de trabalho, mandando mensagem de texto para a sua secretária, e, puft, desligando de vez o notebook. Expediente encerrado.
22 horas e nem sinal de vida além de rodas e brilho de faróis, sob chuva e noite paulistana brilhante de água e luz... Resolve entrar num estacionamento, o primeiro que vê pela frente e pára o carro. Finalmente resolve tomar mais uma atitude coerente: liga para a esposa (desta vez a dele) e diz que acha melhor dormir no ato dos por aquis mesmo, assim, poupa tempo e na manhã seguinte poderá voltar ao trabalho. Sem problemas. Dito e feito, ela reclama, esperneia, mas como é uma pequeno-burguesa muito, muito compreensiva e amante do Padre Marcelo Rossi, aceita, aceita de bom coração a sensata atitude do esposo.
(E desta vez, ele tão inocentemente, nem pensou em motel, o que resolveria tudo, tudo, tudo de forma mais surpreendente ainda. Talvez, porque fosse inútil reivindicar noitada de sexo, àquelas horas, numa cidade arrasada por uma espécie de katrina dos tupi-ni-aquins – e ilhados estavam todos: pobres e ricos.
E imagine, Marcel nem desconfiava que naquela mesma noite de oito de setembro em Osasco, cidade da grande São Paulo, no Morro do Socó, três crianças – novas como as dele – e a mãe, morriam soterrados por uma avalanche de terra e água... Poxa, coitado, mas ele mal sabia dessa cidade de Osasco, mais ainda, ele mal sabia de São Paulo; e o mais prudente e cauteloso, ele nem sabia que existia prefeito em São Paulo. Para ele, a cidade e estado eram a mesma coisa, logo, governados por uma mesma pessoa, o Serra, talvez).
Negócio fechado. Manhã seguinte tudo será mais fácil. E pra encerrar a sua noite naquele estacionamento dos Jardins, pede uma pizza, assim num estalo de língua, e tudo termina em paz.
Na cidade de São Paulo, terça-feira oito de setembro de 2009. Sem mágoas, afinal ele é uma pessoa que está de bem com a vida.
* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com
* Por Cacá Mendes
Vejamos no bem das coisas: Marcel acorda numa terça-feira magra e abafada num sol prestes a se apagar, depois de um fim de semana esticado por um sete de setembro daqueles bem chatos. Mas São Paulo é uma cidade linda, linda de morrer em qualquer manhã de sol. Mas, no de repente tudo vira chuva e vento em ruas entupidas de carros e ônibus lotados de povo pelos ladrões.
Marcel olha aquilo que não se move, mas sendo-o um felizardo que é, de bem com a vida, sabe, sabe, nunca perderá o bom-humor, nunca. Never, never. Tira o notebook da mala, enquanto se agita com uma música no som do carraço blindado, liga a sua secretária e decreta iniciado o expediente. Como nada anda mesmo, porque afinal a cidade está mergulhada em lixo (contenção de verbas, sabe), entulho e nos excessos de veículos o nosso personagem paulistano bem motorizado, não altera o seu humor.
Já passa da uma da tarde e ele ainda não conseguiu chegar no longe do seu trabalho, liga para um chine in box (ao menos, as motos andam entre um e outro carro, assim não tem erro e de fome não vai morrer nos por aís das ruas), assim mata logo quem lhe ameaça a vida.
Bom, saciado a fome, depois de uma pequena pausa, ainda despachando coisas por e-mail e celular, abre uma goma de mascar daquelas que dispensam escovar os dentes e tudo resolvido. Assim, poderá chegar mais tarde no trabalho, sem problemas... Afinal, o que havia de mais urgente já fora resolvido online.
Passa das 16 horas e ainda não chegou ao seu trabalho, e como ainda está na metade do caminho resolve terminar o expediente nos aí mesmos e dar meia perna na volta e correr (correr?) pra casa. Se não, dali a pouco poderia começar a perder o humor... E uma pessoa de bem com a vida não, não poderia se resvalar no rés-do-chão e botar tudo, tudo a perder nos becos das ruas. Never, never.
(Estes “never, never” ele os repetia no sempre, como que para taxar e selar suas convicções).
18h30 e as marginais, a Paulista, a Rebouças, lotadaças, e se tudo der certo lá pelas 21 horas chegará em casa, logo ali em Santana, antes do Tucuruvi... Mas pensando bem, resolve pedir uma pizza, pois aquele chinês na caixa não deu pro cheiro. E pensando melhor ainda, resolve encerrar o seu dia de trabalho, mandando mensagem de texto para a sua secretária, e, puft, desligando de vez o notebook. Expediente encerrado.
22 horas e nem sinal de vida além de rodas e brilho de faróis, sob chuva e noite paulistana brilhante de água e luz... Resolve entrar num estacionamento, o primeiro que vê pela frente e pára o carro. Finalmente resolve tomar mais uma atitude coerente: liga para a esposa (desta vez a dele) e diz que acha melhor dormir no ato dos por aquis mesmo, assim, poupa tempo e na manhã seguinte poderá voltar ao trabalho. Sem problemas. Dito e feito, ela reclama, esperneia, mas como é uma pequeno-burguesa muito, muito compreensiva e amante do Padre Marcelo Rossi, aceita, aceita de bom coração a sensata atitude do esposo.
(E desta vez, ele tão inocentemente, nem pensou em motel, o que resolveria tudo, tudo, tudo de forma mais surpreendente ainda. Talvez, porque fosse inútil reivindicar noitada de sexo, àquelas horas, numa cidade arrasada por uma espécie de katrina dos tupi-ni-aquins – e ilhados estavam todos: pobres e ricos.
E imagine, Marcel nem desconfiava que naquela mesma noite de oito de setembro em Osasco, cidade da grande São Paulo, no Morro do Socó, três crianças – novas como as dele – e a mãe, morriam soterrados por uma avalanche de terra e água... Poxa, coitado, mas ele mal sabia dessa cidade de Osasco, mais ainda, ele mal sabia de São Paulo; e o mais prudente e cauteloso, ele nem sabia que existia prefeito em São Paulo. Para ele, a cidade e estado eram a mesma coisa, logo, governados por uma mesma pessoa, o Serra, talvez).
Negócio fechado. Manhã seguinte tudo será mais fácil. E pra encerrar a sua noite naquele estacionamento dos Jardins, pede uma pizza, assim num estalo de língua, e tudo termina em paz.
Na cidade de São Paulo, terça-feira oito de setembro de 2009. Sem mágoas, afinal ele é uma pessoa que está de bem com a vida.
* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com
Cacá
ResponderExcluirDe um acontecimento tão trágico você criou um personagem com o qual a gente cruza todos os dias nas grandes cidades. Parabéns!
Beijo
Risomar
Pois é, Riso, espero que não seja esse o destino de muitos dessa metrópole... Obrigado por sempre estímulo! bjs
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