São Paulo é uma festa
* Por Urariano Mota
No dia 29 de julho, parti com destino a São Paulo, para o lançamento do livro “Soledad no Recife”. Enquanto esperava o avião, anotei em um caderninho da largura de um polegar: estou tenso às 10 em ponto da manhã. Aqui começa uma nova vida. (E não anotei, para não dar agouro, para não atrair desgraça, mas pensei sem que anotasse: aqui começa uma nova vida, porque aqui pode ser o fim: desastre de avião.) Então fui para uma lanchonete de preços absurdos para a renda média do Recife, e, depois de mastigar pacientes e infindáveis pedaços de um folhado ruim, me dei conta de que o tempo, todo o tempo havia parado. Sem qualquer metáfora, desconfiei que jamais chegaria a hora de partir, porque o folhado caro, acompanhado pelos goles do uísque pior, mas de magnífico preço, desciam na garganta em câmera lenta e lenta, enquanto os minutos não se moviam.
Anotei, para passar o tempo: eu tenho pra mim que meu relógio parou. 11 e 30. Uma voz impessoal anuncia no aeroporto o embarque para outros voos. Olhei para o meu relógio e me perguntei se eu não estava enganado, se o relógio não havia me pregado uma peça, porque seriam já 12 e 30, mas ele continuava a marcar 11 e 30. Então me expus ao ridículo de uma vez por todas: com um relógio no pulso, perguntei a um velhinho que horas eram. Ele me respondeu, adivinhando: o seu relógio quebrou? Sorri e procurei me esconder na poeira do teto. O fato é que chegou a minha hora e parti, na esperança de que chegaria a São Paulo ou morreria, de uma forma ou de outra bêbado. Santa e vã esperança. No avião, depois de ensinarem como deveria pôr a máscara, que cairia sobre nós quando a pressão desabasse; depois de nos lembrarem que nossos assentos seriam transformados em boias, se acaso flutuássemos doce a morrer no mar, depois de tais mímicas e avisos, pedi algo para beber. Resposta, “água, suco ou pepsi, senhor”. E a nave foi. Foi, fui, desci e mergulhei numa São Paulo que eu não esperava.
A primeira coisa a dizer é que São Paulo hoje é uma cidade menos agressiva, humanizada pela cara nordestina. Cearenses, baianos, alagoanos, pernambucanos, todos os estados do Nordeste deram à cidade uma feição que antes ela não possuía, quando mais parecia uma réplica de Chicago. Desta vez, ninguém se espantou do meu sotaque, como antes, em 1977, quando uma estudante da USP me pediu para falar mais, porque a minha fala era muito engraçada. Nos botecos, se come agora o queijo coalho, que antes era uma raridade. No Conjunto Nacional há lanchonetes com o nome Rei da Tapioca. Na Liberdade, japoneses comem rabada e lambem os beiços, indiferentes a todo e qualquer sushi.
Em segundo lugar, desta vez tive a companhia de nordestinos aclimatados à cidade, que me fizeram conhecer restaurantes tão agradáveis quanto saborosos. Os erros que cometi, ao entrar nesses novos lugares, foram fruto de minha experiência, que somente conhece os mercados públicos do Recife. De fato, o escritor Alípio Freire nos levou a um passeio pela Vila Madalena, onde nos fez desembarcar em um restaurante italiano. Ali, este selvagem (espero que bom selvagem) confundiu carta de vinhos com carta de massas. E culminou, para melhor educação, a comer um pasto de cogumelos misturados a parafusos em forma de macarrão. Parafuso bom, sem dúvida. Enquanto eu me atrapalhava com o sabor de massas avermelhadas pelo tomate, Alípio nos brindou com Carpentier e O século das Luzes. Eu, por minha vez, para mostrar meus dotes em literatura da américa latina, citei Vargas Llosa, pero olvidei o título do romance "A cidade e os cachorros". Salvo agora pelo google.
Que fazer? Tinha que ir aos italianos, porque a jornalista Rose Nogueira, inflamada e direta, ficou possessa ao saber que eu buscava em São Paulo restaurantes nordestinos. "Você tem que procurar em São Paulo a cozinha diferente de sua terra!!!". Por isso comi cogumelos e azeitonas (que eu não sabia se era de bom tom engolir o caroço ou depositá-los, com ar gentil, à margem do prato.) Por isso visitei o Bar da Brahma, na Avenida São João, de música com banda de jazz dos anos 30. Os bons músicos, para melhor espalhar a sua graça, vinham com instrumentos de sopro e metais até a mesa de todos, generosos e ensurdecedores. Mas era São Paulo, era a Avenida São João, era o recebimento a um bom selvagem em um novo tempo.
E o lançamento do livro, que me fez voar acima do mar e do pavor de avião? Está aqui, http://urarianoms.blog.uol.com.br/ Em resumo, amigos, São Paulo foi grande e pude ver que nela cabem os nordestinos do mundo todo.
* Jornalista e escritor
* Por Urariano Mota
No dia 29 de julho, parti com destino a São Paulo, para o lançamento do livro “Soledad no Recife”. Enquanto esperava o avião, anotei em um caderninho da largura de um polegar: estou tenso às 10 em ponto da manhã. Aqui começa uma nova vida. (E não anotei, para não dar agouro, para não atrair desgraça, mas pensei sem que anotasse: aqui começa uma nova vida, porque aqui pode ser o fim: desastre de avião.) Então fui para uma lanchonete de preços absurdos para a renda média do Recife, e, depois de mastigar pacientes e infindáveis pedaços de um folhado ruim, me dei conta de que o tempo, todo o tempo havia parado. Sem qualquer metáfora, desconfiei que jamais chegaria a hora de partir, porque o folhado caro, acompanhado pelos goles do uísque pior, mas de magnífico preço, desciam na garganta em câmera lenta e lenta, enquanto os minutos não se moviam.
Anotei, para passar o tempo: eu tenho pra mim que meu relógio parou. 11 e 30. Uma voz impessoal anuncia no aeroporto o embarque para outros voos. Olhei para o meu relógio e me perguntei se eu não estava enganado, se o relógio não havia me pregado uma peça, porque seriam já 12 e 30, mas ele continuava a marcar 11 e 30. Então me expus ao ridículo de uma vez por todas: com um relógio no pulso, perguntei a um velhinho que horas eram. Ele me respondeu, adivinhando: o seu relógio quebrou? Sorri e procurei me esconder na poeira do teto. O fato é que chegou a minha hora e parti, na esperança de que chegaria a São Paulo ou morreria, de uma forma ou de outra bêbado. Santa e vã esperança. No avião, depois de ensinarem como deveria pôr a máscara, que cairia sobre nós quando a pressão desabasse; depois de nos lembrarem que nossos assentos seriam transformados em boias, se acaso flutuássemos doce a morrer no mar, depois de tais mímicas e avisos, pedi algo para beber. Resposta, “água, suco ou pepsi, senhor”. E a nave foi. Foi, fui, desci e mergulhei numa São Paulo que eu não esperava.
A primeira coisa a dizer é que São Paulo hoje é uma cidade menos agressiva, humanizada pela cara nordestina. Cearenses, baianos, alagoanos, pernambucanos, todos os estados do Nordeste deram à cidade uma feição que antes ela não possuía, quando mais parecia uma réplica de Chicago. Desta vez, ninguém se espantou do meu sotaque, como antes, em 1977, quando uma estudante da USP me pediu para falar mais, porque a minha fala era muito engraçada. Nos botecos, se come agora o queijo coalho, que antes era uma raridade. No Conjunto Nacional há lanchonetes com o nome Rei da Tapioca. Na Liberdade, japoneses comem rabada e lambem os beiços, indiferentes a todo e qualquer sushi.
Em segundo lugar, desta vez tive a companhia de nordestinos aclimatados à cidade, que me fizeram conhecer restaurantes tão agradáveis quanto saborosos. Os erros que cometi, ao entrar nesses novos lugares, foram fruto de minha experiência, que somente conhece os mercados públicos do Recife. De fato, o escritor Alípio Freire nos levou a um passeio pela Vila Madalena, onde nos fez desembarcar em um restaurante italiano. Ali, este selvagem (espero que bom selvagem) confundiu carta de vinhos com carta de massas. E culminou, para melhor educação, a comer um pasto de cogumelos misturados a parafusos em forma de macarrão. Parafuso bom, sem dúvida. Enquanto eu me atrapalhava com o sabor de massas avermelhadas pelo tomate, Alípio nos brindou com Carpentier e O século das Luzes. Eu, por minha vez, para mostrar meus dotes em literatura da américa latina, citei Vargas Llosa, pero olvidei o título do romance "A cidade e os cachorros". Salvo agora pelo google.
Que fazer? Tinha que ir aos italianos, porque a jornalista Rose Nogueira, inflamada e direta, ficou possessa ao saber que eu buscava em São Paulo restaurantes nordestinos. "Você tem que procurar em São Paulo a cozinha diferente de sua terra!!!". Por isso comi cogumelos e azeitonas (que eu não sabia se era de bom tom engolir o caroço ou depositá-los, com ar gentil, à margem do prato.) Por isso visitei o Bar da Brahma, na Avenida São João, de música com banda de jazz dos anos 30. Os bons músicos, para melhor espalhar a sua graça, vinham com instrumentos de sopro e metais até a mesa de todos, generosos e ensurdecedores. Mas era São Paulo, era a Avenida São João, era o recebimento a um bom selvagem em um novo tempo.
E o lançamento do livro, que me fez voar acima do mar e do pavor de avião? Está aqui, http://urarianoms.blog.uol.com.br/ Em resumo, amigos, São Paulo foi grande e pude ver que nela cabem os nordestinos do mundo todo.
* Jornalista e escritor
Urariano
ResponderExcluirO que provoca medo de avião é ver aquelas aeromoças explicando o que fazer em caso de acidente. Ora, aquilo tudo pra mim é pura inutilidade, pois quando acontece um acidente aereo ninguém se salva, então, pra que aquelas macaquices? Melhor seria que eles nos recomendassem: "arrependam-se dos seus pecados, pois ainda que a gente chegue vivo ao destino, arrependimento do que se fez de errado nunca é demais, rs,rs,rs...
É o que faço cada vez que entro naquelas latas de sardinha...rs. Ah...e em casa, antes de sair, deixo a senha da minha conta ( em um lugar que meu filho encontre fácil0. Isso é importante.
Abraços
Risomar
Querida Risomar, você continua pernambucana, depois de tantod anos em São Paulo. Você é uma dessas pessoas que deram o ar de casa brasileira a Chicago. Abraço.
ResponderExcluir"tantos anos", quis dizer.
ResponderExcluirAinda bem que vence o seu pavor e vai, pois eu, termo em terra firme e perco o melhor da festa. Mas já dou um jeito nisso: viajarei anestesiada.
ResponderExcluirErrata: tremo
ResponderExcluir