Mostracite faz mal à autoestima!
* Por Laís de Castro
Mostracite -- substantivo feminino, nome de uma doença que se tornou pandemia, e que deixa as pessoas com vontade de mostrar o que têm. A mostracite se caracteriza por forçar as pessoas a comprarem a casa que não podem, o carro que não podem e roupas que não podem. Tudo pago em 72 vezes, pelo cartão, menos a casa, que será paga em 20 anos. Porque as vítimas do mal da mostracite precisam MOSTRAR tudo o que têm. São pessoas que conjugam o verbo TER em lugar do verbo SER. Elas não são, elas têm. Ou não têm e fingem que têm. É aí que mora o perigo.
Quando elas acabam de pagar o carro ele já virou sucata, mas elas compram outro mais caro ainda e em 212 prestações. A casa vai ficando com canos furados, mofo, a mobília vai quebrando, mas pessoas com mostracite vão quebrando galhos até que o galho principal se quebra e tudo vai por água abaixo. Pessoas com mostracite não possuem um tostão no bolso, mas sabem mostrar – e como sabem – seus oito casacos de inverno trazidos de Nova Iorque na última estação. Claro: eles estão sendo pagos no cartão de crédito em 12 vezes.
A mostracite se divide em crônica e aguda. A crônica é a que ataca as pessoas que estão sempre com as contas no vermelho, mas dão grandes festas e se fingem sempre de felizes. A palavra chave da mostracite crônica, como você viu, é sempre. O segundo tipo se mostracite é o agudo. Esse ataca as pessoas de repente. Sob o domínio dessa doença chamada mostracite aguda elas alugam um apartamento que não vão poder pagar, compram jóias que serão confiscadas por falta de pagamento (mas elas já desfilaram com elas quando vier o confisco), compram tudo o que couber, enfim, no seu parco cartão de crédito. Em milhares de prestações. A mostracite aguda pode causar danos seriíssimos à saúde e à autoestima das pessoas, pois elas sabem que estão desfilando com o que não têm, morando onde não podem etc.
A mostracite agora atacou os arquitetos que desenham as plantas dos prédios. Numa planta de 80 m2 por exemplo, conseguem fazer uma imensa varanda, com churrasqueira e uma sala enorme. Só esquecem de avisar que o quarto das crianças tem 2 metros por 2 (se você tiver 2 filhos vai exigir uma beliche) e a suíte do casal cabem, espremidos, bem espremidos, a cama e o armário. O que, afinal, não tem a menor importância, pois os compradores, com mostracite, só querem que seja enorme o que vão mostrar para as visitas. Quer dizer, a mostracite mudou o conceito de bem viver. Para conceito de mal viver.
Conforto? Nem pensar! Para que? As roupas podem ficar espremidas no armário, porém basta passá-las na hora de vestir. A passadeira, que obviamente não receberá o salário, passa tudo direitinho. E os amigos jamais verão o armário...
As salas, sim, devem ter sofás de grife comprados em 36 prestações, mesas para oito pessoas e aparelhos de jantar de porcelana chinesa. Chinês ainda é chique? Só a porcelana, querida.
Ah! Bom!
O Ministério da Saúde Mental informa: “espremer-se em cubículos apenas para receber as pessoas bem na sala pode ser perigoso para a sua autoestima”.
O Ministério da Saúde informa: “comprar carros caríssimos para mostrar aos vizinhos e não pagar as prestações pode ser prejudicial para o seu sono e, por extensão, para sua autoestima”.
O Ministério do Bom Senso informa: “evitar a mostracite é essencial para sua autoestima. E para a felicidade geral da nação”.
* Jornalista desde os 21 anos, quando estreou na tradicional revista Realidade, trabalhou 18 anos na Editora Abril, vários anos na Carta Editorial e outros mais na Azul. Ganhou 3 prêmios Abril, um concurso de contos infantis no Estado do Paraná e é autora do livro de histórias para adultos: “Um Velho Almirante e outros contos”, publicado pelo selo ARX (Siciliano). Atualmente dedica-se apenas à Literatura.
* Por Laís de Castro
Mostracite -- substantivo feminino, nome de uma doença que se tornou pandemia, e que deixa as pessoas com vontade de mostrar o que têm. A mostracite se caracteriza por forçar as pessoas a comprarem a casa que não podem, o carro que não podem e roupas que não podem. Tudo pago em 72 vezes, pelo cartão, menos a casa, que será paga em 20 anos. Porque as vítimas do mal da mostracite precisam MOSTRAR tudo o que têm. São pessoas que conjugam o verbo TER em lugar do verbo SER. Elas não são, elas têm. Ou não têm e fingem que têm. É aí que mora o perigo.
Quando elas acabam de pagar o carro ele já virou sucata, mas elas compram outro mais caro ainda e em 212 prestações. A casa vai ficando com canos furados, mofo, a mobília vai quebrando, mas pessoas com mostracite vão quebrando galhos até que o galho principal se quebra e tudo vai por água abaixo. Pessoas com mostracite não possuem um tostão no bolso, mas sabem mostrar – e como sabem – seus oito casacos de inverno trazidos de Nova Iorque na última estação. Claro: eles estão sendo pagos no cartão de crédito em 12 vezes.
A mostracite se divide em crônica e aguda. A crônica é a que ataca as pessoas que estão sempre com as contas no vermelho, mas dão grandes festas e se fingem sempre de felizes. A palavra chave da mostracite crônica, como você viu, é sempre. O segundo tipo se mostracite é o agudo. Esse ataca as pessoas de repente. Sob o domínio dessa doença chamada mostracite aguda elas alugam um apartamento que não vão poder pagar, compram jóias que serão confiscadas por falta de pagamento (mas elas já desfilaram com elas quando vier o confisco), compram tudo o que couber, enfim, no seu parco cartão de crédito. Em milhares de prestações. A mostracite aguda pode causar danos seriíssimos à saúde e à autoestima das pessoas, pois elas sabem que estão desfilando com o que não têm, morando onde não podem etc.
A mostracite agora atacou os arquitetos que desenham as plantas dos prédios. Numa planta de 80 m2 por exemplo, conseguem fazer uma imensa varanda, com churrasqueira e uma sala enorme. Só esquecem de avisar que o quarto das crianças tem 2 metros por 2 (se você tiver 2 filhos vai exigir uma beliche) e a suíte do casal cabem, espremidos, bem espremidos, a cama e o armário. O que, afinal, não tem a menor importância, pois os compradores, com mostracite, só querem que seja enorme o que vão mostrar para as visitas. Quer dizer, a mostracite mudou o conceito de bem viver. Para conceito de mal viver.
Conforto? Nem pensar! Para que? As roupas podem ficar espremidas no armário, porém basta passá-las na hora de vestir. A passadeira, que obviamente não receberá o salário, passa tudo direitinho. E os amigos jamais verão o armário...
As salas, sim, devem ter sofás de grife comprados em 36 prestações, mesas para oito pessoas e aparelhos de jantar de porcelana chinesa. Chinês ainda é chique? Só a porcelana, querida.
Ah! Bom!
O Ministério da Saúde Mental informa: “espremer-se em cubículos apenas para receber as pessoas bem na sala pode ser perigoso para a sua autoestima”.
O Ministério da Saúde informa: “comprar carros caríssimos para mostrar aos vizinhos e não pagar as prestações pode ser prejudicial para o seu sono e, por extensão, para sua autoestima”.
O Ministério do Bom Senso informa: “evitar a mostracite é essencial para sua autoestima. E para a felicidade geral da nação”.
* Jornalista desde os 21 anos, quando estreou na tradicional revista Realidade, trabalhou 18 anos na Editora Abril, vários anos na Carta Editorial e outros mais na Azul. Ganhou 3 prêmios Abril, um concurso de contos infantis no Estado do Paraná e é autora do livro de histórias para adultos: “Um Velho Almirante e outros contos”, publicado pelo selo ARX (Siciliano). Atualmente dedica-se apenas à Literatura.
Uma funcionária da Prefeitura de Montes Claros comprou jóias caras em mil prestações, fez o penhor e com o dinheiro delas fez uma magnífica festa de 15 anos, no Automóvel Clube da cidade, para a sua filha. Foi um sucesso. Nunca consegui compreender como ela fez o caminho de volta para normalizar as finanças. O marido e ela, que juntos não devem ganhar mais do que 10 salários mínimos foram temporariamente para a capa dos jornais. Desse mal sou abstêmia.
ResponderExcluirA futilidade impera no país. Pior é o caso dos que fingem que sabem e, embora universitários, mal se expressam no próprio idioma. Conhecimento e sensatez parecem demodés entre nós. Ô raça!
ResponderExcluirVIVA!!! A Laís voltou! Eu estava com saudade dos seus textos. Que sensibilidade, que poder de observação. É isso mesmo, Laís, o importante é ter uma supersala, um supersofá,uma superchurrasqueira mesmo que os quartos sejam latas de sardinha...Muito pertinente sua crônica. Como sempre, adorei. Bem-vinda!
ResponderExcluirBeijos
Voltou arrebentando !
ResponderExcluirAdorei o termo : " Mostracite".
Tem muita gente vivendo de " aparência."
Loucura. Loucura.
Esse mal se prolifera, Laís! Vivemos mais que nunca a era do "parecer ter".Ótima abordagem!
ResponderExcluirAbraços.
Alegra-me ler textos como este. Profundo.
ResponderExcluirAbraços.