terça-feira, 8 de setembro de 2009




A mina de geodo em Wanda, Argentina

* Por Risomar Fasanaro

Estou no ventre da terra. O ambiente escuro e úmido da mina, me dá a sensação de estar dentro de um útero. E tenho a certeza naquele instante de que antes de nascer, todos nós estivemos no céu, talvez venha daí essa nostalgia que nos acompanha ao longo da vida, talvez por isso muitos demorem tanto a nascer.

Ali em Wanda, Argentina, senti as entranhas da mãe Terra, e dentro de suas paredes de escuridão, vi um céu coberto de estrelas: brancas, amarelas, violetas. E meus dedos puderam realizar um sonho de criança: o de tocar o céu. Tocar o céu com as mãos.

Antes tinha visitado a gruta da Lagoa Azul em Bonito, Mato Grosso do Sul, e até hoje me lembro de que a emoção que experimentei foi tão forte que pensei: “se Deus existe, aqui há uma porta que nos leva a Ele”.

Anos depois estive em outra gruta, em Nápoles, dentro do mar, muito bonita, mas, sem bairrismo algum – nada comparado à Gruta da Lagoa Azul de Bonito. Ali em Wanda, era a terceira vez que entrava em uma caverna. E ver brotar da rocha aqueles cristais que antes só tinha visto em lojas de souvenires para turistas ou em feiras de artesanato, era uma emoção muito forte.

O guia nos diz que estamos a 40 quilômetros de Puerto Iguazu, e que a mineradora explora 32 hectares de terras. Enquanto caminhamos até a entrada da gruta, ele nos explica muita coisa sobre os geodos, mas eu estava tão encantada com tudo aquilo, confesso, não me lembro de nada do que ele disse. Decido pesquisar para escrever esta crônica. Consulto a enciclopédia Wikipedia que registra:

“Os geodos podem formar-se em qualquer cavidade enterrada. Estas cavidades podem ser bolhas de gás em rochas ígneas, bolsas sob as raízes de árvores, vesículas em lava após uma erupção vulcânica ou mesmo tocas de animais. Com o tempo, a parede externa da cavidade endurece, e os silicatos e carbonatos dissolvidos depositam-se na superfície interior; o fornecimento lento de constituintes minerais pelas aguas subterrâneas ou por soluções hidrotermais, permite a formação de cristais no interior da câmara oca. Ao longo de milhões de anos após a sua formação, o geodo regressa à superfície através de processos geológicos correntes.

O tamanho dos cristais, bem como a sua forma e tonalidade, são variáveis, tornando cada geodo único. Alguns são limpídos como cristais de quartzo e outros contêm cristais púrpura de ametista. Uns podem conter ágata, calcedonia ou jaspe. Só se pode dizer como é o interior de um geodo depois de cortado ou partido. Alguns apresentam o interior completamente recheado e recebem o nome de nódulos.

Enquanto percorremos o interior da mina, o guia nos fala sobre a energia emanada por eles, e que estamos recebendo, mesmo não tocando nos geodos. E sentimos na pele a veracidade de suas palavras. Vendo tamanha beleza me dou conta de que no Brasil há inúmeras grutas, e conversando sobre isso com meu Amigo Escaramuça, ele me fala da tristeza que sente por elas estarem correndo riscos de desaparecer.

Volto à Wikipedia e me certifico que o presidente Lula assinou um decreto em novembro de 2008 que leva as cavernas brasileiras a correrem riscos de sofrer "impactos negativos irreversíveis", conforme denunciam vários ambientalistas.

A partir daquele decreto, as cavernas naturais passaram a ser classificadas por quatro critérios: de relevância: máximo, alto, médio e baixo. A assinatura desse decreto é conseqüência da pressão de empresas mineradoras e de hidrelétricas. Para elas, as cavernas não significam o que são para nós, mortais. Pelo contrário, são entraves ao crescimento de seus negócios. Sendo assim, apenas 30% delas serão preservadas. As demais poderão ser eliminadas se houver autorização dos órgãos ambientais responsáveis por elas.

A Federação Espeleológica da América Latina e Caribe e associações da Colômbia, Argentina, Paraguai, México e Itália se pronunciaram contra o novo decreto no Brasil. Para o secretário-executivo da SBE (Sociedade Brasileira de Espeleologia), Marcelo Rasteiro, a nova lei é "absurda, horrível, lamentável".

As cavernas, como tudo que existe na natureza, têm uma historia. Segundo Marcelo Rasteiro, elas “guardam registros do passado, trazem informações nos campos paleontológico, arqueológico, biológico e geológico. Cada uma é como um livro. A partir de alguns estudos, por exemplo, foi possível descobrir se chovia mais ou menos na região em determinado período. Isso é uma chave para entender questões como o aquecimento global".

Rasteiro diz ainda que a análise sobre a importância de cavernas deverá ser feita por consultores ambientais pagos pelas empresas, o que pode gerar pressão para laudos favoráveis aos interesses econômicos.

Assim sendo, temos a lamentar que além das devastações da Amazônia, da mata atlântica, do pantanal, da poluição dos nossos rios e lagoas tenhamos a lamentar mais essa: a das cavernas brasileiras, livros milenares que temos à nossa disposição e que sequer chegamos a ler...

Além disso, é preciso que a população se manifeste e reivindique medidas de proteção a esses tesouros da humanidade. Esperamos que o governo Lula analise com novos critérios a preservação dessas cavernas. Quem sabe em muitas delas encontraremos “histórias” de povos que nos precederam, e que perderemos para sempre caso se atenda apenas aos interesses econômicos de empresas que só visam lucros financeiros.

Mas voltando àquele dia em que, por ignorar tudo isso, eu estava feliz, saí da mina de má vontade e junto com o grupo fomos à loja onde os diferentes exemplares de geodos, além de jóias e bijuterias confeccionadas com eles estão à venda.

Fiquei “meio enloquecida” diante de tantos exemplares. Existe a crença de que você nunca escolhe uma pedra – ela escolhe você. Assim sendo, tive de voltar com uma formação de cristais em que de uma drusa de uma base de pequenos cristais se eleva um casal de cristais em forma de bastões. Parecem duas pessoas juntas, uma ao lado da outra de mãos dadas. Quando meus olhos a viram, ela me acenou: “me leva, me leva...” e não resisti. Ela está aqui ao meu lado, me observa enquanto redijo estas linhas...e se as pedras pudessem chorar, garanto: ao ler o que acabo de escrever sobre o destino das cavernas no Brasil, choraria...

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

5 comentários:

  1. A cada dia fica mas e mais difícil se esconder desse raciocínio de burro que só vê o lado prático, utilitarista, das coisas. Pelo menos, cara Ris, tua crônica funciona como refúgio, onde podem se aninhar os que preservam a sensibilidade. Esta tua "gruta" é indestrutível. Parabéns pela arquitetura.

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  2. Obrigada, Daniel. Eu desconhecia a situação de risco em que se encontram as grutas, foi preciso meu amigo Escaramuça me alertar. Fiquei triste e revoltada.
    Beijos
    Riso

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  3. Sem contar do nosso serrado no Norte de Minas que está desaparecendo. É pior aqui, pois as nossas árvores pequenas, baixas e de cascas grossas não são belas e nem atraentes e sendo jogadas à sua própria sorte. E sobre caverna bela, a do "Poço Encantado", na Chapada Diamantina na Bahia é a mais linda que já vi. Pelas fotos não perde para a de Bonito.
    Entre o romântico e o protesto, o seu texto cumpriu os dois papéis. Muito bem!

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  4. Crônica de viagem com beleza e informação. Não conhecia nada sobre a gruta de Wanda. Fiquei imaginando aqui. Beijos´, Risomar!

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  5. Obrigada, Mara e Evelyne. Vou procurar conhecer o Poço encantado da Chapada Diamantina, Mara.
    Beijos nas duas
    Risomar

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