Greve
Geral
*
Por Mara Narciso
As
conquistas trabalhistas dependem de negociação ou confronto entre a
parte fraca e a que detém o poder. De um lado há quem executa o
trabalho e do outro, quem paga por ele. O trabalhador entrega sua
produção e quem a remunera quer ter dispêndio pequeno, exceto
quando gastar mais significa um lucro muito maior. Em geral, investe
e exige o melhor resultado. No balcão de negócios deve haver troca
combinada, não favores. As forças desproporcionais dificultam o
equilíbrio. Quando os mais fracos se unem, a chance de resultado
justo é maior.
A
greve, geralmente coletiva, acontece quando a possibilidade de acordo
foi esgotada. Ninguém decide parar por gosto pela paralisação. A
tensão de uma greve só pode ser avaliada por quem já passou por
uma delas. O governo é um ser temporário, com grande força e
poder, daí ser difícil negociar com ele. A queda de braço ocorre
para o lado patronal. No caso de professores, é comum o sindicato
pedir um aumento calculado sobre planilhas e aceitar algo bem menor.
As perdas dessa categoria são gritantes e se ampliam no dia a dia.
No começo de cada paralisação, o lado sem capacidade de barganha é
dos estudantes. Toma partido dos professores, mas em pouco tempo os
abandona.
Em
setembro de 1981, depois de concluir um ano de Residência em Clínica
Médica, eu fazia o 1º ano de Residência Médica em Endocrinologia
e Metabologia na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Era
um trabalho exaustivo, subindo os 13 andares do prédio pelas
escadas, muitas vezes por dia. Olhávamos doentes internados em todas
as alas da Santa Casa, do Sanatório e do Hospital São Lucas. No
domingo, um único residente poderia atender, nos três hospitais,
até 60 pessoas. Com excelentes professores, era desafiador avançar,
pois, para ensinar e aprender, nem eles e nem nós recebíamos pelo
trabalho. O SUS pagava estadia e remédios dos pacientes.
Um
dia, o MEC - Ministério da Educação e Cultura ordenou que os
médicos residentes fossem pagos. Fomos convidados a participar de
uma reunião com a AMIMER – Associação Mineira de Médicos
Residentes no auditório da Santa Casa. Gostamos da retórica e
argumentação dos colegas engajados, brilhantes esquerdistas, e,
imaginando poder fazer cumprir a lei, entramos em greve. Não mais
atendíamos aos doentes. Ficávamos na porta do hospital com faixas,
gritando palavras de ordem. Foram suspensas as internações, e
nossos professores atenderam os pacientes até a alta. O hospital se
esvaziou, e os colchões de plástico azul sem lençóis brilharam no
abandono.
Um
dia saímos em caminhada de protesto até o centro da cidade. Foi no
início da abertura política, quando o General João Figueiredo
colocava em prática a Anistia Ampla Geral e Irrestrita proposta pelo
General Ernesto Geisel. Ainda assim, a nossa passeata, que apoiou com
faixas a iminente fundação da CUT- Central Única dos Trabalhadores
foi acompanhada por uma tropa de choque que fez um ameaçador cordão
de isolamento ao lado dos manifestantes, portando imensos cassetetes
e cães policiais. Andamos da Santa Casa até a Igreja São José, na
Avenida Afonso Pena, onde nos sentamos nas escadarias.
O
grevista não está de folga, nem de férias, não relaxa, não
descansa, apenas espera. Há alta tensão na luta devido às forças
desproporcionais entre as classes. A greve amarra o fraco em
correntes e busca uma solução viável para o trabalho continuar.
Nossa paralisação durou 31 dias e a lei não foi cumprida. A Santa
Casa transmutou a nossa Residência Médica conquistada através de
árduo concurso em Estágio Médico (éramos profissionais formados,
com registro no CRM – Conselho Regional de Medicina), ainda que
tivesse força curricular de Residência. Na documentação ficamos
com o 1º ano classificado como Residência e o 2º ano como Estágio.
Ponto para o poder e a força. Não se iluda: o forte nada entrega ao
fraco. Quando alguém perde, outro alguém ganhará e isso não é
justo.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
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