quarta-feira, 11 de abril de 2018

Greve Geral - Mara Narciso


Greve Geral

* Por Mara Narciso
 
As conquistas trabalhistas dependem de negociação ou confronto entre a parte fraca e a que detém o poder. De um lado há quem executa o trabalho e do outro, quem paga por ele. O trabalhador entrega sua produção e quem a remunera quer ter dispêndio pequeno, exceto quando gastar mais significa um lucro muito maior. Em geral, investe e exige o melhor resultado. No balcão de negócios deve haver troca combinada, não favores. As forças desproporcionais dificultam o equilíbrio. Quando os mais fracos se unem, a chance de resultado justo é maior.
 
A greve, geralmente coletiva, acontece quando a possibilidade de acordo foi esgotada. Ninguém decide parar por gosto pela paralisação. A tensão de uma greve só pode ser avaliada por quem já passou por uma delas. O governo é um ser temporário, com grande força e poder, daí ser difícil negociar com ele. A queda de braço ocorre para o lado patronal. No caso de professores, é comum o sindicato pedir um aumento calculado sobre planilhas e aceitar algo bem menor. As perdas dessa categoria são gritantes e se ampliam no dia a dia. No começo de cada paralisação, o lado sem capacidade de barganha é dos estudantes. Toma partido dos professores, mas em pouco tempo os abandona.
 
Em setembro de 1981, depois de concluir um ano de Residência em Clínica Médica, eu fazia o 1º ano de Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Era um trabalho exaustivo, subindo os 13 andares do prédio pelas escadas, muitas vezes por dia. Olhávamos doentes internados em todas as alas da Santa Casa, do Sanatório e do Hospital São Lucas. No domingo, um único residente poderia atender, nos três hospitais, até 60 pessoas. Com excelentes professores, era desafiador avançar, pois, para ensinar e aprender, nem eles e nem nós recebíamos pelo trabalho. O SUS pagava estadia e remédios dos pacientes.
 
Um dia, o MEC - Ministério da Educação e Cultura ordenou que os médicos residentes fossem pagos. Fomos convidados a participar de uma reunião com a AMIMER – Associação Mineira de Médicos Residentes no auditório da Santa Casa. Gostamos da retórica e argumentação dos colegas engajados, brilhantes esquerdistas, e, imaginando poder fazer cumprir a lei, entramos em greve. Não mais atendíamos aos doentes. Ficávamos na porta do hospital com faixas, gritando palavras de ordem. Foram suspensas as internações, e nossos professores atenderam os pacientes até a alta. O hospital se esvaziou, e os colchões de plástico azul sem lençóis brilharam no abandono.
 
Um dia saímos em caminhada de protesto até o centro da cidade. Foi no início da abertura política, quando o General João Figueiredo colocava em prática a Anistia Ampla Geral e Irrestrita proposta pelo General Ernesto Geisel. Ainda assim, a nossa passeata, que apoiou com faixas a iminente fundação da CUT- Central Única dos Trabalhadores foi acompanhada por uma tropa de choque que fez um ameaçador cordão de isolamento ao lado dos manifestantes, portando imensos cassetetes e cães policiais. Andamos da Santa Casa até a Igreja São José, na Avenida Afonso Pena, onde nos sentamos nas escadarias.
 
O grevista não está de folga, nem de férias, não relaxa, não descansa, apenas espera. Há alta tensão na luta devido às forças desproporcionais entre as classes. A greve amarra o fraco em correntes e busca uma solução viável para o trabalho continuar. Nossa paralisação durou 31 dias e a lei não foi cumprida. A Santa Casa transmutou a nossa Residência Médica conquistada através de árduo concurso em Estágio Médico (éramos profissionais formados, com registro no CRM – Conselho Regional de Medicina), ainda que tivesse força curricular de Residência. Na documentação ficamos com o 1º ano classificado como Residência e o 2º ano como Estágio. Ponto para o poder e a força. Não se iluda: o forte nada entrega ao fraco. Quando alguém perde, outro alguém ganhará e isso não é justo.
 

* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



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