domingo, 12 de junho de 2016

Focos diferentes

* Por Pedro J. Bondaczuk


Um leitor pergunta: “quem lucra mais, o escritor, que passe a atuar também no jornalismo ou o jornalista que lá um belo dia se transforme em escritor?”. Há vários aspectos a se ponderar. Primeiro, nada impede que alguém exerça ambas funções, simultaneamente. É o caso da imensa maioria dos meus colegas dos tantos jornais em que já trabalhei.

Aliás, no século XIX, e boa parte do século XX, as redações eram compostas quase que exclusivamente por escritores. No outro extremo, nem todos os jornalistas (diria que são raros) se aventuram a trocar suas carreiras jornalísticas para atuarem, exclusivamente,  no pantanoso campo da Literatura, que pode tanto consagrar, quanto “queimar” um intelectual de valor.

Claro que o foco e, sobretudo, a linguagem dessas duas atividades são diferentes. O do jornalismo, é o fato, nu e cru, exatamente como aconteceu. É, portanto, o máximo das heresias “criar” em cima da notícia. Esta tem que ser transmitida, sempre, rigorosamente como aconteceu (infelizmente não é, pelo menos não por todos. Mas... deixa pra lá!).

Já a linguagem do escritor é menos seca, mais solta, diria que liberta da chamada “objetividade”. Quanto mais criativa for, melhor. Seu foco pode até ser algum determinado fato, alguma notícia que não se esgote no dia seguinte e que mereça ser registrada em livro. Mas, em geral, não é a realidade, e sim o que é fictício. É certo que a verossimilhança é desejável, mas sequer se trata de regra, de condição sine qua non, de obrigação para o escritor.

É provável que o espírito da pergunta do leitor se refira às vantagens financeiras de cada atividade, supondo que uma mesma pessoa não exerça simultaneamente ambas. Nesse aspecto, o escritor, que se transforme em jornalista, lucra infinitamente mais (apesar de, convenhamos, o profissional de imprensa não ser remunerado no valor que merece ser, salvo raras exceções), a menos que se trate de um Paulo Coelho. Daí... pode viver, exclusivamente, sem receios e sem sustos, do lucro advindo da venda dos seus livros.

Nas redações, pelo menos, o sujeito terá emprego fixo, com registro em carteira, recolhimento para a Previdência e possibilidades de, um dia, se aposentar. Isso, sem falar em Fundo de Garantia e de outras tantas vantagens sociais e trabalhistas.

Na Literatura, todavia, irá depender, sempre e sempre, dos caprichos e vontades do leitor (supondo, é claro, que consiga ao menos editora para publicar seus livros). Pode, por exemplo, escrever uma obra-prima, dessas a salvo de qualquer reparo e.... nada acontecer. É verdade, também, que pode produzir o caricato e o ridículo, simultaneamente, ou seja, um tremendo besteirol, e vender rios de exemplares. Cada um compra o que quer. Mas é muito mais comum a ocorrência de inexplicáveis encalhes de excelentes livros do que baboseiras e infantilidades se transformarem em best-sellers. Contudo... acontecem, esteja certo.

Para responder, portanto, à pergunta do leitor, sem tergiversar e nem ficar em cima do muro, afirmo (por experiência própria) que o melhor é, mesmo, exercer, simultaneamente, as duas atividades. O profissional que fizer essa opção (claro, se tiver talento, cultura, aptidão e conhecimento técnico para as duas) contará com as garantias trabalhistas que o jornalismo lhe dá e poderá, de vez em quando, apostar na “roleta russa” da Literatura.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk





Um comentário:

  1. Aqui em Montes Claros, os donos de jornais dispensam os jornalistas formados que ganham um SM ou pouco mais para contratar estagiários para fazer o serviço pesado recebendo a metade. Os cronistas não são remunerados. Sem venda, os poucos diários que persistem agonizam.

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