Matriz da
atual civilização
O século XX, com suas maravilhas e horrores, foi,
certamente, o mais dinâmico da História. Ciência e Tecnologia evoluíram, no seu
decorrer, como nunca antes havia ocorrido em qualquer outro período. Inúmeras
vezes, a humanidade esteve a pique de ser destruída, do Planeta ser
esterilizado e de ficar morto e desolado como Vênus ou Marte, por exemplo, que
têm dimensões muito próximas às da Terra. Revoluções se sucederam e pipocaram
por toda a parte, como a mexicana e a portuguesa, ambas ocorridas em 1910, como
a bolchevique, em 1917 e como tantas
outras, de menor relevância.
O mundo conheceu duas sangrentas guerras mundiais, que
dizimaram milhões de pessoas e deixaram um rastro de desolação e caos,
notadamente na Europa. Até a tão temida queda de meteorito ocorreu, felizmente
na desolada e semideserta estepe de Tunguska, na Sibéria Central, em 30 de
junho de 1908. Houvesse caído em região densamente povoada, ou em cidades como
Nova York, Londres, Paris e Roma, estaríamos agora lembrando de uma tragédia de
proporções apocalípticas.
O homem desvendou, para sua desgraça, um segredo que seria
preferível que não desvendasse: o do átomo, o âmago da matéria. Poderia operar
maravilhas com esse conhecimento, mas infelizmente usou-o para matar. E, pela
primeira vez na história (e até aqui, felizmente, única), duas cidades foram
varridas do mapa, literalmente reduzidas a cinzas (radioativas) num piscar de
olhos, mediante bombas nucleares, num genocídio dos mais covardes e
inaceitáveis: Hiroshima e Nagasaki.
Em vez de aprender a lição, e se dar conta da terrível “caixa
de Pandora” que tinha em mãos, o homem insistiu em se aprofundar em pesquisas,
em desenvolver armas muito mais poderosas e letais do que aqueles artefatos
primitivos e já tão medonhos. Hoje, as bombas utilizadas para pulverizar as
duas cidades japonesas em segundos não passam de ridículos estopins de agentes
de morte e destruição infinitamente mais poderosos. Até recentemente, os
arsenais das potências contavam com ogivas nucleares suficientes para destruir
cerca de uma centena de planetas como a Terra, o que nem o mais insano dos
insanos poderia algum dia pensar.
Atualmente, não é possível nem mesmo estimar o potencial
destrutivo existente. Não se sabe, por exemplo, se aumentou ou diminuiu, pois
para isso é necessário fiar-se na palavra dos políticos, que não é nem um pouco
confiável. A suposição mais razoável é que as atuais bombas de hidrogênio são
muito mais poderosas do que as de ap0enas dez anos atrás e que algum erro de
cálculo ou mesmo acidente podem fazer voar pelos ares e desintegrar
literalmente, tudo e todos, pondo fim não apenas à nossa espécie, mas a
praticamente todos os seres vivos. É possível (mas não provável) que apenas
escorpiões e baratas sobrevivam a tamanha hecatombe e povoem este belo e frágil
planeta azul, em caso dela, por qualquer motivo, ocorrer. E o risco existe.
Mas o século XX não apresentou, apenas, violências,
misérias, corrupções, doenças e horrores. Produziu, também, excelentes
artistas, cientistas inigualáveis, esportistas fantásticos e pensadores lúcidos
e ponderados. Arejou a filosofia, desenvolveu as artes e revolucionou as
comunicações. Pode-se dizer que se tornou a matriz da atual civilização. Para
muitos, ela é péssima e deveria ser mudada da base ao topo. Só não dizem como
fazer isso. Para outros, porém, é miraculosa. Prefiro ficar no meio e
reconhecer os avanços, sem esquecer os perigos e armadilhas que foram semeadas
em profusão no nosso caminho, mais presentes do que nunca em nossas vidas.
E por que estou tocando no assunto do século XX, quando este
já vai ficando cada vez menos visível no retrovisor do tempo? Exatamente por
essa distância. Quanto mais distante um fato estiver do momento em que ocorreu,
mais isenta, racional e desapaixonada tende a ser sua análise. Acabo de pegar
em minha estante um livro que vem a calhar para um estudo frio, meticuloso e
desapaixonado desse período tão complexo, tão turbulento e simultaneamente tão
fascinante. Pretendo, nos próximos meses, volta e meia, fazer, com a anuência e
companhia dos senhores, muitas reflexões suscitadas por essa obra. E qual é
esse livro? Trata-se de um ensaio que nem mesmo sei como classificar, se
histórico, se político, se econômico, se social ou se tudo isso simultaneamente.
Refiro-me a “O fim do século 20 e o fim da era moderna”, de
John Lukacs. O livro foi lançado em 1993 e não recebeu a atenção que merecia.
Não foi nenhum best-seller, diga-se de passagem, e pouca gente o comentou.
Classifico-o, todavia, como a análise mais lúcida, isenta e abrangente já feita
sobre esse período, e que o autor fez quando faltavam ainda sete anos para o
século acabar.
E quem é esse John Lukács? É um historiador húngaro, nascido
em Budapeste em 31 de janeiro de 1924, de descendência judia, profundamente
católico, que em razão da sua origem emigrou para os Estados Unidos no início
da Segunda Guerra Mundial, onde se fixou e fez carreira. É um mestre notável,
de grande reputação, inclusive na Europa, professor visitante dessa disciplina
nas mais renomadas universidades norte-americanas, como a John Hopkins
University, a Columbia University e a Princeton University, entre outras.
Já publicou mais de 25 livros e o que tenho em mãos sequer é
considerado o melhor deles. Creio, contudo, que se trata de erro de avaliação.
Os críticos, provavelmente, não leram esta obra ou se o fizeram, não refletiram
a respeito como deveriam. Ao cabo de algum tempo, após refletirmos sobre vários
dos tópicos tratados pelo autor, os senhores, certamente, chegarão à mesma
conclusão que cheguei. Lukács mostra-se um historiador com alma de filósofo.
Aliás, Dionísio de Halicarnasso, há alguns séculos antes de
Cristo, escreveu: “História é Filosofia: ensina por exemplos”. Concordo! O
filósofo inglês do século XVII, Henry Saint John, Primeiro Visconde de Bolingbroke
fez idêntica afirmação, posto que com outras palavras, mas com o mesmo sentido.
Lukács é hoje, sem favor algum, o legítimo sucessor do inglês Arnold Toynbee,
tido como um dos maiores, se não o maior historiador do século XX, embora com outra visão dessa disciplina.
Nada melhor para se projetar o futuro do que analisar, com
profundidade, atenção e honesta visão crítica, o passado. Só assim teremos
condições de evitar os mesmos erros cometidos, com suas naturais conseqüências,
e fazer o que deveria ter sido feito e não o foi, com resultados igualmente catastróficos.
Tendemos a errar ora por ação, ora por omissão. Nesse aspecto, no da prevenção
tendo como base o que já passou e foi feito ou deixou de sê-lo, não há como deixar de dar razão ao filósofo
Soren Kierkegaard, que sentenciou: “Vivemos para a frente, mas só podemos
pensar para trás”.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Boa finalização. Vamos pensar.
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