A menina da Copa de 70
* Por
Alberto Cohen
Seriam assim, então,
todos os dias daqui por diante... Uma infinidade de nadas disfarçados de
pequenos afazeres. O poder esvaíra-se de suas mãos tão rapidamente quanto
demorado fora o deferimento da aposentadoria. Sentia falta das pessoas querendo
soluções para seus casos. Lembrava que, na época, elas o aborreciam.
Após fazer a barba com
o esmero dos que têm o tempo por passar, tomou café, acendeu um cigarro
(precisava parar) e procurou no jornal diário as notícias que eram, ainda, do
seu mundo embora não mais fizesse parte dele.
Inesperadamente, um
nome no obituário: Angélica! O sobrenome o mesmo! Não era possível que fosse
ela, tão jovem e cheia de vida! Devagar foi assimilando a realidade: Mais de
trinta anos haviam se passado desde a última vez que a vira.
Década de setenta.
Brasil tricampeão. O povo nas ruas. Lágrimas, abraços. Todos irmãos. E lá
estava ela, morena, nariz empinado na arrogância de quem sabe o que quer. Não
era nada mais que bonitinha, mas tinha alguma coisa que a tornava única. Talvez
fosse a sua maneira de olhar, dentro dos olhos, ou, quem sabe, a desenvoltura
com que caminhava no meio da multidão de eufóricos e bêbados. Ninguém a tocava.
Passarelas se abriam à sua frente, fechando-se logo depois de sua passagem. Era
a irmã, ou a namorada de cada um, quem passava.
De repente o encontrão
predestinado a juntá-los. Um sorriso, um toque de mão e a nítida percepção de
que seriam um do outro.
Namoro intenso, quase
passional, porém um curso, muito importante para a formação profissional dele,
arrastou-o para o outro lado do Brasil. As últimas palavras dela, no aeroporto,
foram: “Estamos nos perdendo”.
Um ano envolvido com
estudos e noitadas na cidade hospedeira fizeram cessar a correspondência entre
os dois. Achava que no seu retorno tudo seria como antes. Não foi. Ela havia
casado. Morreu mil vezes até conseguir um encontro em lugar público com aquela
que, agora ele sabia, era a mulher de sua vida.
Em poucas palavras,
racional como sempre fora, ela eliminou qualquer esperança que pudesse haver.
Ainda o amava e achava que esse amor seria para sempre. Casara com um primo e
amigo que a apoiara em seu abandono e solidão. E finalizou: “Nasci para ser
fiel e jamais trairei o meu marido, mesmo contigo”. Recusou a súplica de um
último beijo e partiu sem olhar para trás.
O mundo e o tempo
cauterizaram parte das feridas e eles viveram suas vidas possíveis, sem aquele
grande amor desperdiçado.
Agora o jornal dava a
notícia de que ela se fora, sem retorno. Acendeu mais um cigarro para
justificar com a fumaça as lágrimas e se pôs a recordar como ela era bonitinha
naquela Copa do Mundo de setenta.
*
Poeta paraense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário