Espontâneo é melhor
* Por
Pedro J. Bondaczuk
A atividade artística, notadamente a
literária, tem, como premissa fundamental, a liberdade de expressão. Não
comporta, pois, direcionamentos de temas, pautas, censuras e nada que
atrapalhe, ou impeça, o escritor de expressar o que pretenda em seus textos com
a máxima fidelidade e clareza. Arte e Moral são compartimentos distintos e
nunca (ou raramente) andam juntos.
O único juiz, implacável e exclusivo, o
que decide de fato o sucesso ou o fracasso de quem se aventure neste campo é, e
sempre deve ser, o leitor. Apenas a ele cabe julgar o que acha bom ou o que
entende que seja ruim, deficiente, mal-escrito e mal-expresso. Afinal, é ele
que compra livros e movimenta a vasta indústria editorial.
A única censura pertinente é a do
próprio escritor. Este precisa contar, sobretudo, com bom-senso na escolha do
que e de como irá escrever, para não cair, eventualmente, em ridículo
publicamente. Compete-lhe escolher livremente o tema que queira abordar, a
forma de explanação e a linguagem a utilizar, de conformidade com o seu estilo
e de acordo com o grau cultural do segmento a que seu texto se destine. Mas
precisa estar ciente de que será, sempre e sempre, julgado pelo leitor. Em caso
de agradá-lo, será premiado com a sua fidelidade. Se não...
Todavia, o escritor tem que respeitar,
sem nenhuma exceção, os cânones do idioma. Neste caso, não se trata, sequer, de
nenhum cerceamento à sua liberdade de expressão, mas de premissa básica e
lógica para quem aspire a essa condição. É para lá de óbvio para qualquer um
que ninguém jamais será escritor caso não saiba o que é primário e elementar:
ou seja, “escrever”.
O objetivo primordial da literatura é o
de comunicar – pensamentos, sentimentos, observações ou seja lá o que for – a
alguém. Não se trata, pois, de nenhum exercício de exibição de erudição e nem
de mera feira de vaidades. Quanto mais perito for o escritor, na captação da
atenção do leitor e na conquista da sua empatia e cumplicidade, maior será seu
sucesso nessa atividade.
A liberdade para a escolha do quê, como
e quando escrever, reitero, é um dos fatores que contribuem para garantir a
qualidade de uma boa obra literária. Claro que não é o único e talvez nem seja
o fundamental. Mas que ajuda, disso não tenham dúvidas. A espontaneidade na
criação é muito importante.
Um escritor, meu amigo, passou pela
experiência contrária, ou seja, a de ter que escrever com prazo marcado, a
toque de caixa. Premido por dificuldades financeiras, fez um acordo com sua
editora para receber adiantada parcela expressiva dos seus direitos autorais.
Isso, antes mesmo de haver escrito o livro. Foi-lhe imposto um prazo de seis
meses para entregar a obra acabada, revisada, prontinha para seguir para a
impressão.
Ele nem se abalou. “Em seis meses,
escrevo um tratado de mil páginas”, raciocinou. Todavia, por uma dessas
artimanhas do acaso, entrou num período temido por todos os artistas, o de
“crise de criatividade”. Sentava-se junto ao computador e ficava horas olhando
para a telinha, sem que lhe viesse uma única idéia aproveitável. Passados dois
meses, começou a lhe bater o desespero. E quanto mais desesperado ficava, menor
era a sua “inspiração”. Sua autoconfiança, ademais, fora para o espaço, estava
a zero.
Resolveu mudar de ambiente, na
tentativa de se concentrar melhor e produzir o tal livro, do qual já estava
pegando ódio, antes de ser escrito (ou, justamente, porque não conseguia
escrevê-lo). Em vão. As
idéias teimavam em não vir. Como havia ido para um vilarejo deserto, com uma
praia sensacional, distraiu-se com a paisagem, deliciou-se com os banhos de mar
e praticamente esqueceu a razão de estar ali.
Lá um belo dia, num final de tarde,
relaxado após longo e prazeroso passeio pela praia, resolveu escrever a
primeira coisa que lhe viesse à cabeça, publicável ou não, sem nenhuma
preocupação. “Às favas com o livro”, pensou. À medida que ia escrevendo, as
idéias foram fluindo, a princípio suavemente, como as águas de um riacho e,
depois, com vigor incontrolável, como as cataratas do Iguaçu.
Ao reler o que havia escrito, com
intenção de deletar em seguida, percebeu, surpreso, que até sem querer, havia
escrito o tal livro. Foi só esquecer a pressão para que seu talento inegável
prevalecesse. Entregou a obra prometida no prazo acertado com a editora e esta
foi um grande sucesso. Todavia, até inconscientemente, todas as vezes que meu
amigo escritor fala dos seus êxitos literários, omite o tal livro (por sinal,
um dos melhores que já li de autores nacionais).
Confesso que, vira e mexe, passo por
situações semelhantes. Basta que alguém me imponha um tema ou uma data
específica para a entrega de uma crônica, um ensaio ou um conto, para a
atividade de escrever, que tanto amo, deixar, subitamente, de ser um prazer, algo
delicioso e lúdico, para se transformar numa tarefa chata, num dever a cumprir,
numa enfadonha obrigação.
Apesar de invariavelmente elogiados,
não gosto dos textos que produzo nessas circunstâncias. Eles me parecem sempre
artificiais, forçados, “falsos”, embora quem os leia não perceba nada disso e
se desmanche em elogios.
Não me refiro, aqui, à produção jornalística, muito diferente
da literária. Em jornalismo, sim, prazos e temas prefixados são a rotina. Em
literatura, todavia, isso é um “veneno” à criatividade.
Não sei se com vocês, caros amigos
escritores, ocorre o mesmo. Mas isso é para lá de comum com os colegas do ramo
com os quais tenho abordado o assunto. Para evitar essa pressão, antecipo-me a
quaisquer cobranças. Aproveito os momentos de “fúria produtiva” para produzir
uma quantidade imensa de crônicas, ensaios etc. Quando alguém me pede um texto,
digamos, para amanhã, não me aperto. Tenho uma quantidade enorme deles em
estoque, todos escritos com prazer e alegria.
Reitero que escrever, para mim, é muito
mais do que a minha maneira de ganhar o “pão nosso de cada dia”. É tão
necessário e natural como comer, beber ou respirar. Mas esse prazer se torna um
delírio apenas quando se dá espontaneamente.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
As ideias aparecem, várias vezes ao dia, mas se perdem. Preciso anotar algo, pois há momentos em que fico na dúvida sobre qual assunto desenvolver.
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