Delírio azul
* Por
Clóvis Campêlo
Entre os rios e o mar,
Recife é um delírio azul. Dos sonhos dos homens, fez-se a cidade que sempre
encantou poetas e imperadores. Dos sonhos dos homens e dos aluviões, matéria
orgânica semeando o futuro sobre as águas.
Entre risos e bares,
Recife é um transe etílico. Do porre dos poetas, fez-se a literatura nem sempre
bem comportada que alicerçou a sua fama de reduto de bardos e bêbados. Em
bandos ou solitários, a margear as águas nem sempre límpidas do mangue.
Sobre rios, pontes e
overdrives, Recife é sinuosidade, é extravagância, superação de limites. Na sua
concepção, em nada, porém, difere de todas as outras cidades do mundo. É
equívoco, prisão, neuroses, contenção. Recria-se sempre sob a ótica do
pragmatismo capitalista, a grana erguendo e destruindo coisas belas, sequelas.
Entre o passado e o
futuro, Recife é o presente nem sempre bem compreendido. Onde estarão os botos
do Capibaribe, espantados pelo vinhoto das suas usinas de açúcar e pelo
murmúrio incessante das suas máquinas modernas? Recife perde-se na sua própria
contemporaneidade. Que cidade é essa? Deitada para sempre no berço esplêndido
da planície aluvional, a esperar com paciência o beijo libertador do cavaleiro
do futuro.
Quantas vezes nos
renderemos à luz do luar secular? Quantas paredes se ergueram entre ela e o seu
solo úmido? Quantos séculos ainda esperaremos pelo que nunca existiu, pela
essência para sempre perdida do passado, dos casarões malassombrados, do vento
morno do verão que nunca nos açoitou as faces?
A gente precisa ver o
luar!
* Poeta, jornalista e radialista.
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