quarta-feira, 29 de junho de 2016

Aprender a observar


* Por João Luiz de Almeida Machado


Tentamos ensinar tantos temas, conceitos e idéias em sala de aula que muitas vezes deixamos de trabalhar alguns assuntos que são verdadeiramente essenciais para a educação. Por exemplo, não pensamos mais em aperfeiçoar (com profundidade) a leitura; raramente nos preocupamos em saber se nossos estudantes estão cientes de determinados tipos de ações e práticas básicas em educação, como a produção de fichamentos, sínteses, resumos ou textos dissertativos; não cobramos (e não realizamos) um maior enriquecimento cultural a partir da visita a museus, centros de pesquisa, cinemas, teatros ou universidades; deixamos de aguçar o interesse, a curiosidade e estimular os sentidos para a pesquisa, especialmente o olhar, a capacidade de observar com atenção e critério...
Pensando nisso tenho utilizado com grande freqüência algumas atividades que pedem um esforço concentrado dos estudantes na observação de filmes e imagens selecionadas, especialmente obras de arte.

E é notável como há por parte desses jovens uma grande dificuldade de ir além daquilo que é óbvio, do que está em primeiro plano. Os cruzamentos de idéias e conceitos, as sinapses que nossas mentes deveriam estar realizando, a reflexão mais aprofundada em relação aos objetos observados e analisados poucas vezes supera níveis minimamente razoáveis.

Pensar em grandes resultados demanda mais prática, muito mais exercício. Esse tipo de atividade vem tentar justamente suprir essa enorme lacuna. Provocar os alunos e ao mesmo tempo tentar lhes atribuir um papel cada vez mais constante de protagonistas da aprendizagem e não de receptáculos de informação já previamente sistematizada.

Aliás, esse é um dos principais objetivos em curto prazo das pessoas que realmente estão estudando a educação. Superar o trabalho em aula, ampliar os horizontes da educação, provocar os estudantes para que se sintam desconfortavelmente curiosos e instados a procurar novas informações. E nessa busca de novos dados, já não basta mais se preocupar somente com a bibliografia (que continua essencial, primeira e básica nessa conduta de pesquisadores que devemos ter), é necessário ampliar os horizontes em direção as novas (ou não) possibilidades.

O que mais parece próximo dos jovens da atual geração com a qual estamos lidando é o trabalho com as mídias e recursos eletrônicos, especialmente os computadores e a Internet. É claro que consideramos esse trabalho importante e que estimular e orientar ações de pesquisa em relação ao universo virtual constituem responsabilidade e compromisso obrigatórios dos educadores do século XXI.

Porém, quando falo em aguçar os sentidos, especialmente o olhar, me refiro à necessidade de observarmos a natureza, as pinturas, as esculturas, os filmes, as dramatizações teatrais, as danças, as outras pessoas, os animais, profissionais em ação, máquinas em uso, técnicas de trabalho ou mesmo as relações entre pessoas. Desaprendemos a capacidade de olhar e de admirar, de presenciar e aprender com isso.

O que fiz então, no trabalho com alunos de Ensino Fundamental e também na universidade, foi levar a eles algumas imagens selecionadas de obras de arte confeccionadas por povos da Antiguidade (egípcios, gregos, babilônios, sumérios, acádios e romanos). Esse trabalho pode ser feito com fotografias, filmes ou ainda com desenhos. Também não há restrições quanto aos temas ou áreas de interesse que podem utilizar dessa prática.

As imagens devem ser destacadas com antecedência e, objetivamente destinadas a enfatizar determinadas características, idéias ou conceitos que desejamos vê-los discutir, perceber, entender e aprender a respeito. Esse levantamento prévio das imagens por parte dos professores pode ser feito a partir de acervos públicos (em bibliotecas), com a coleta de fotografias ou reproduções de obras de arte e sua posterior transformação em transparências ou pequenos painéis que possam ser dispostos na sala de aula.

O segundo momento requer muita percepção por parte dos alunos e uma boa dose de silêncio por parte do professor. É uma parte do trabalho em que o educador não deve dar informações acerca das imagens apresentadas. Os estudantes têm que circular entre os painéis ou ter um tempo certo para observar atentamente as transparências.

Dessa observação devem ser extraídos dados que sejam utilizados no cruzamento da matéria discutida em aula previamente ou ainda em relação aos temas que irão ser estudados. Essas informações têm que ser sistematizadas num primeiro momento de forma individualizada. Cada estudante cria o seu próprio rascunho com anotações referentes aos detalhes que mais lhes chamaram a atenção e que podem, em suas opiniões, ser úteis num debate mais amplo, envolvendo todos os alunos e também o professor.

O próximo passo é reuni-los em grupos pequenos, com 2 ou 3 integrantes, para que possam comparar o que obtiveram de dados em suas anotações. A comparação permitirá que eles percebam a diversidade dos olhares, a riqueza das diferenças que existem entre eles. Os pontos comuns serão provavelmente reaproveitados pelo grupo. Os diferentes pontos levantados por cada indivíduo serão motivos de debate e se tornarão consenso desde que todos no grupo concordem com os argumentos daquele que propôs essas idéias.

As idéias consideradas válidas a partir da observação e análise de todos os integrantes desses grupos devem ser colocadas numa resposta/relatório que serão entregues ao professor.

O próximo e último ato dessa programação é a interferência do professor na apresentação e reflexão aprofundada a respeito das imagens utilizadas no projeto.

Nesse momento cabe ao educador falar a respeito das origens das imagens, daquilo que representam, de seus autores (fotógrafos, artistas, cineastas, desenhistas), das escolas artísticas as quais estão associadas e, principalmente, da relação que existe entre elas e o conteúdo que estão estudando ou que irão começar a falar a respeito.

Na mais recente aplicação dessa atividade junto a um grupo de alunos, percebi que muitos deles têm grande dificuldade para realizar a observação acurada das imagens e que muitos, por comodidade ou preguiça, preferem respostas simplificadas e curtas, sem qualquer preocupação com detalhes, informações de fundo e divagações que lhes permitam ir muito além daquilo que lhes é oferecido de imediato nas imagens. Cobrem muito, peçam mais!

Falta mais bagagem cultural. Nossos jovens carecem de mais estímulos para olhar muito além e buscar ir mais longe. Os caminhos mais curtos estão mais em voga entre eles. Mas, em educação e ciência, esses atalhos não levam muito longe, tolhem as possibilidades e encurtam a vida útil daqueles que tentam chegar lá dessa maneira. São literalmente vias tortas, que como nos labirintos, não levam a lugar nenhum.

A vontade e a disposição têm que ser semeadas pelos mestres e incorporadas pelos estudantes. Por que, se eles assim não fizerem, estão fadados ao fracasso e não ao sucesso em suas vidas futuras, seja no sentido profissional ou no pessoal...


* Doutor em Educação pela PUC-SP; mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); professor universitário e pesquisador; autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

  

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