sexta-feira, 17 de junho de 2016

Contagem regressiva



* Por Rodrigo Ramazzini



- Sente-se Seu Almeida...
- Obrigado Doutor. Conte-me tudo, não esconda nada, seja franco...
- Chegaram os resultados dos seus exames cardíacos.
- E daí Doutor?
- E... E... As notícias não são boas.
- O que eu tenho?
- Um problema grave no miocárdio...
- Tem cura Doutor?
- Infelizmente não!
- Quais os riscos? O que pode me acontecer Doutor?
- Serei franco...
- Seja... Por favor!
- Não há o que possamos fazer. O seu quadro clínico encontra-se muito evoluído, e qualquer tentativa de tratamento lhe causaria muito mais sofrimento do que a cura da enfermidade. E... E...
- E Doutor? Fale logo!
- Pelos meus conhecimentos e pelo histórico desta doença, a expectativa dos pacientes é de sobreviver em média a partir da descoberta... Seis meses.
- Você está dizendo que tenho uma doença incurável e apenas seis meses de vida?
- Infelizmente sim, Seu Almeida. Isso mesmo...

Seu Almeida deixa o consultório médico resignado, abatido, depressivo. E assim permanece por uma semana, em uma introspecção total, pensando apenas no diagnóstico.

A família estanhara esse seu “silêncio”, pois Seu Almeida sempre fora muito sorridente e falante. A esposa indagou-lhe várias vezes se algo estava acontecendo. Se havia ocorrido alguma coisa durante a consulta médica. A resposta era sempre negativa. Então, para surpresa de todos, saindo da tristeza e passando para uma euforia incontida, Seu Almeida convoca toda a família para um grande almoço. Motivo: celebrar a vida!

No almoço, antes do brindar, Seu Almeida pede a palavra, e emocionado, sentencia aos presentes:
- Estive no médico na última semana e descobri que estou com uma doença incurável no coração. Ele deu-me seis meses de vida. Não! Não quero lamentos nem choros. Como sei quando morrerei, tenho a obrigação de aproveitar cada segundo restante... Vamos brindar a vida!

A partir daí, foi isto que realmente aconteceu. Seu Almeida começou a aproveitar a vida. Primeiramente, pediu demissão do emprego que odiava (no qual trabalhou anos), e virou DJ, seu velho sonho da adolescência. Deu mais atenção à esposa, sendo que fizeram aquele passeio prometido há anos, mas que nunca acontecia. As pescarias com os netos saíram “do papel”, assim como as caminhadas no fim do dia, o futebol e as visitas aos amigos, o parar de fumar, a leitura daquele livro, o trabalho voluntário, o plantar da árvore e etc.

Feliz! Assim sentia-se Seu Almeida. Aproveitou os últimos seis meses de sua vida como nunca fizera. Porém, o suposto fim aproximava-se. A família ainda insistira para consultar um novo médico, mas ele não quis. Quando faltava um dia para completar seis meses da fatídica visita ao médico, Seu Almeida resolve ir a uma funerária, pois queria ele próprio tratar do seu velório.

Foi então que, ao tentar atravessar a rua, em frente à funerária, ele cometeu um erro primário: não olhou para um dos lados da via de mão dupla. O ônibus que vinha em alta velocidade ainda tentou frear, mas era tarde de mais. Seu Almeida ainda foi atendido no local com vida e levado a um hospital, mas não resistiu aos ferimentos.

O jornal da cidade do dia seguinte trazia no obituário o anúncio da morte do Seu Almeida, e a manchete:

- Falso médico cardiologista é preso na cidade.


* Jornalista e cronista


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