terça-feira, 21 de junho de 2016

Realidade ou ficção?


A disciplina chamada de “História” reflete – e já nem digo com exatidão, mas com mínima aproximação – o que de fato aconteceu em algum lugar específico e, mais amplamente, no mundo todo em algum tempo ou no tempo todo? Quanto ela tem de verdade e quanto de fantasia, de suposição, de pura imaginação do historiador? Da minha parte estimo que no máximo 1% do relatado é verídico e que 99% não passa de pura ficção, mesmo que aparente verossimilhança. E olhem que posso estar sendo demasiado otimista. Não por acaso a mesma palavra designa a disciplina, o supostamente relato fiel de acontecimentos e a ficção criada pela fértil imaginação de romancistas, contistas, novelistas... enfim, de escritores de ficção. Houve tentativa dos gramáticos de diferenciá-las, criando, para designar a segunda, a palavra “estória”, com a letra “e” em vez do “h” na frente. Todavia... não colou.

Destaco que sempre que trago o tema à baila sou contestado, e não raro sem argumentos (pelo contrário, argumentos sólidos e inteligentes, eles sim, são raridades), mas com meras ofensas, muitas vezes chulices absurdas e abomináveis, que nunca levam a nada, a lugar algum, a não ser causar irritação e desídia,  tentando realçar, na maioria dos casos, minha presumível ignorância. A maioria das pessoas é incapaz de abrir mão de suas convicções, opiniões que sustentam a ferro e fogo, mesmo que sejam ostensivamente equivocadas e até ridículas. Com isso, perdem preciosa oportunidade de se esclarecer e de aprender o que realmente valha a pena.

O que se denomina, pomposamente, de “História da Humanidade”, ou de “História da Civilização” ou de qualquer outro nome correspondente “vende”, mesmo, o que anuncia? Ora, ora, ora... Se hoje, com todo o aparato tecnológico ao nosso dispor, se com a infinidade de meios de comunicação que contamos, se com a fartura de notícias, de várias partes do mundo a que temos acesso, é rigorosamente impossível de saber TUDO o que se passa no mundo em um único dia (e até mesmo em uma única hora), imaginem como era, digamos, na Grécia Antiga, para não recuarmos muito! E o que dizer do tempo anterior à invenção da escrita? Afinal, milênios antes dessa genial criação (e é impossível de se saber quantos) havia povos, cidades, países, guerras, invenções, personagens de todos os tipos e jamais iremos saber quantos ou quais eram. Só podemos “imaginá-los”. Isso sem falar nas dificuldades de locomoção, quando os meios mais velozes de transporte eram, até pelo menos o século XVI, os cavalos.

“Bem” – arguirá aquele leitor sequioso por desnudar publicamente minha (suposta) macro-ignorância – “você está sugerindo que a História é absolutamente inútil, por não refletir o que aconteceu?”. Não, amigo, não diria tanto. Até porque, desde que me tomei consciência como gente, ela sempre foi minha disciplina favorita. E por gostar tanto dela foi que me propus a me preparar para ser um escritor. Mesmo os supostos fatos reais que ela narra sendo, na verdade, na maior parte (quando não na totalidade) fictícios, meras versões dos narradores, eles têm o condão de nos induzir à reflexão. E pensar, óbvio, sempre foi, é e será saudável e indispensável. Afinal, foi para isso que a natureza nos dotou da nobre capacidade de raciocínio. O que contesto é tomarmos a História ao pé da letra, como relato fiel de fatos reais e incontestáveis, o que a própria lógica indica ostensivamente que eles não são.

Napoleão Bonaparte, que no seu auge conquistou, a poder de armas, praticamente toda a Europa, antes de ser vencido em Waterloo, quando exilado na remota ilha de Santa Helena, no Atlântico, refletiu sobre o que viveu e registrou em suas memórias, pouquíssimo citadas hoje em dia por motivos óbvios (afinal, “aos perdedores as batatas”, é a grande realidade da vida). Num certo trecho de suas anotações, o Grande Corso observou: “Essa verdade histórica, tão implorada, à qual todos se apressam a apelar, na maioria das vezes não passa de uma palavra: ela é impossível no próprio momento dos acontecimentos, no calor das paixões cruzadas; e se, mais tarde, nos pomos de acordo, é porque para os interessados, os contraditores não existem mais. Mas o que é então essa verdade histórica a maior parte das vezes? Uma fábula combinada...”

O antropólogo, professor e filósofo belga Claude Levy-Strauss – que levou suas luzes à Universidade de São Paulo, onde lecionou – disse a mesma coisa, posto que com outras palavras. Escreveu, em “O pensamento selvagem”: “Assim como se diz de certas carreiras, a história leva a tudo, mas contanto que se saia dela”. Ou seja, é válida e útil, como destaquei. Todavia... sem tomá-la ao pé da letra, como expressão da verdade, como relato fiel do que algum dia teria acontecido em algum lugar. Este é o senso crítico que tem que nos nortear, sem que formemos dogmas inquestionáveis aos quais nos aferremos fanaticamente, que apenas retardam, quando não impedem, nossa evolução mental e intelectual. Diz-se, amiúde, que a “História é a mestra da vida”. Eu não diria tanto. Diria que a vida é a única mestra à qual devemos nos curvar e aprender com ela.

Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. Dependendo de quem contar a história, teremos dezenas de versões, uma em cada livro escrito sobre os anos/fatos pelos quais vivemos. Escolhendo os autores, jornais, blogs, canais de TV e rádio, parece que vivemos situações opostas. Qual versão prevalecerá?

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