sexta-feira, 3 de junho de 2016

Cobrança


* Por Rodrigo Ramazzini


- Alô! Alô!

♪♪♫♫♫♫♪♪

“Pela musiquinha é de lá. É agora!”, pensa Vilmar.

- Alô! Alô!
- Alô! Eu gostaria de falar com o senhor Vilmar Santos. É o senhor?
- Quem gostaria?
- Aqui é a Clarissa do banco... O senhor é Vilmar Santos?
- Hã... Sou...
- Certo! Para a sua segurança essa ligação está sendo gravada. OK?
- Hã.
- Para a sua segurança, eu também preciso confirmar alguns dados de acesso com o senhor. Certo?
- Hã...
- Por gentiliza, os três primeiros dígitos do seu CPF. O senhor pode me informar?
- Não!
- Senhor esse é um procedimento de segurança...
- Como eu vou saber que tu estás me ligando do banco mesmo?
- Eu já me identifiquei, senhor!
- Mas eu também já!
- Senhor é que...
- Por que a identificação só vale para ti? Assim como tu falaste, eu também falei...
- Senhor! Senhor!
- Como eu sei que não estás tentando me passar um golpe?
- Senhor! É justamente para a sua segurança esse procedimento. Para evitar golpes...
- E como eu vou saber que tu não roubaste os meus dados e estás tentando apenas confirmá-los, hein?
- Eu já me identifiquei como sendo do banco. O senhor não é nosso cliente?
- Sou cliente! Mas isso não diz nada...
- Senhor! Vou explicar novamente. Esse é um procedimento de segurança...
- Isso não me diz nada!
- Senhor é que...
- Moça! Me passa o teu CPF, por favor!
- Não posso, senhor!
- Ah tá! Eu posso te passar o meu CPF, mas tu não podes me passar o teu. É isso?
- Senhor! Eu tenho o seu CPF aqui. Só quero confirmá-lo por procedimento...
- Se eu confirmar os três primeiros dígitos, como saberei que não estou entrando em um golpe? Tem tantos por aí...
- Senhor! Se eu quisesse lhe dar um golpe, por que eu teria que confirmar o CPF se já tenho o número?
- Não sei, moça! Conheço gente que caiu em golpes por telefone assim...
- Não é o caso, senhor! Eu já me identifiquei: sou Clarissa, do banco...
- A bem da verdade, tu que tinhas de me dizer os dados e eu confirmá-los...
- O banco não trabalha dessa forma senhor...
- Hã... Bem, moça! Eu quero o teu nome completo, CPF e o nome da tua mãe, que eu sei que vais me pedir depois, se não, não tem conversa...
- Não vou passar essas informações, senhor!
- Ah! Mas eu posso passá-las. É assim que funciona? Isso está me cheirando a golpe... Tu está achando que eu sou trouxa, hein? É isso?

E a funcionária do banco, que estava de TPM, perdendo a paciência, dispara:

- NÃO, SENHOR! É UM PROCEDIMENTO DE SEGURANÇA. É ASSIM QUE FUNCIONA! QUAL PARTE O SENHOR NÃO ENTENDEU?
- Aqui, moça! Vou te falar o seguinte: tu até podes ser funcionária do banco, mas eu não falo com gente que grita comigo. Nunca. Passar bem!
- Senhor...

Vilmar desliga o telefone. Ele conhecia os procedimentos de segurança. Sorri aliviado. Como já tinha feito algo semelhante antes, projeta que a ‘ludibriada” na funcionária poderia lhe render mais dois dias sem as cobranças da sua dívida no banco atrasadas há três meses e que, com sorte, também renderia uma posterior ligação do gerente pedindo desculpas. Aí que entraria a tentativa de barganha para uma renegociação da dívida. O plano estava saindo como planejado...

15 minutos depois. O telefone toca novamente...

“Deve ser o gerente! Número parecido ao anterior. É agora! O golpe está armado!”, pensa Vilmar.

- Alô!
- Alô! O seu Vilmar Santos, por favor!
- É ele. Quem quer falar?
- Aqui é Roberto do...
- Seu Roberto eu vou logo lhe falando: a sua funcionária do banco me ligou e me insultou aos gritos no telefone...
- Seu Vilmar! Seu Vilmar! Acho que o senhor está enganado.
- Não estou enganado, não! Ela gritou e gritou muito! Um desrespeito! Eu quero...
- Seu Vilmar! Um minuto. Eu não sou do banco.
- Não é do banco?
- Não!  Sou do escritório de cobranças Pacheco e falo em nome do banco. Ligo para falar a respeito de uma dívida bancária. O seu nome está no SPC por causa...



* Jornalista e contista gaúcho.

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