sexta-feira, 3 de julho de 2015

Oh Anna Júlia


* Por Rodrigo Ramazzini


Começo de relacionamento é sempre igual. O casal vai se conhecendo, trocando figurinhas sobre o modo de vida e de pensar o mundo. Em regra, os homens tendem a sucumbir aos encantos femininos e, para não gerar qualquer tipo de discórdia inicial, vai tecendo respostas dúbias e concordando e avalizando todos os gostos e hábitos da mulher que está tentando impressionar. Com o casal Fernanda e Diego não foi diferente. Depois de muitas e longas conversas pelos bate-papos dos telefones e da internet, acontece o primeiro encontro em um fim de tarde, em um aconchegante barzinho, escolhido por ela. Lá pelas tantas...
- Nós somos muito iguais nisso, Fê!
- É verdade! Tu gostares de preto é muita coincidência mesmo...
- É... Ou o destino fazendo os nossos caminhos se cruzarem...
- Hum... Filósofo, agora?
- É que tu me inspiras da cabeça aos pés!
- Abobado! E filme? Já viste o filme “A culpa é das estrelas”?
- A culpa é das Estrelas... Deixe-me pensar...
- Eu adorei! Chorei do começo ao fim... Muito lindo!
- Ah, claro! Não tem como não se emocionar... Muito bonita a história...

(Ele não assistiu ao filme)

- Lindo demais! Bom saber que gostaste da história, Diego! Mostra que és um homem sensível...
- E tu esperavas outra coisa?
- Hum... Mas eu não gosto de filmes de terror e suspense...
- Eu gosto mais ou menos... Mais ou menos...
- Hum...

(Ele é viciado em filmes deste gênero)

- Mas eu prefiro filmes que tenham uma história e tal... Tipo o “A culpa é das estrelas”... Tipo assim...
- Que bom! Ah! Me esqueci de zoar contigo ontem: teu time perdeu mais uma... Há! Há! Há!
- Nem me fala...
- Estou brincando! Eu nem gosto de futebol. Só vi umas fotos tuas no Facebook no estádio... Mas, tu não és desses fanáticos, né?
- Não! Só gosto e assisto aos jogos às vezes...

(Ele não perde um jogo)

- Ah tá! Eu não aturaria ser trocada por uma bola!
- Nunca! Nunca! Jamais...
- Trocando de assunto... Hoje estou meio chateada...
- Por quê?
- Sabe aquele meu amigo da empresa...
- Qual?
- O que eu te disse que era gay?
- Hum...
- Não tem problema com isso, né?
- Não. Imagina...

(Não?)

- Ah tá! Não é que demitiram ele?
- Capaz?
- Sim! Aquela velha história de redução de custos, que o momento está difícil para a empresa...
- E não foi isso?
- Eu acho que não!
- Então, o que foi?
- Semana passada ele e o chefe discutiram asperamente por causa desse lance de maioridade penal que estava sendo votado. Meu chefe a favor e ele contra. Bateram boca mesmo. Muito forte!
- E a corda arrebentou no lado mais fraco...
- Exatamente!
- Eu sou contra a redução da maioridade também, mas eu nem me meti na discussão. E tu?
- Eu o quê?
- É contra ou a favor?
- Mesma posição que a tua...

(Não se esquecer de apagar a postagem: lugar de menor vagabundo é na cadeia do Facebook)

- Que bom! Olha só... Trocando de assunto de novo... Tu vais à festa do Pub no sábado?
- Não sei. Por quê?
- Perguntando...
- Tu vais?
- Óbvio que sim! Amo sertanejo! Amo! Amo!
- Hum...
- Eu já tinha te dito isso, não?
- Acho que sim...
- Esse ano eu já fui aos shows do Marcos & Belutti, Jorge & Mateus, Henrique & Juliana, Matheus & Kauan, João Bosco & Vinícius... Bah! E mais um monte...
- Legal!
- Tu não gostas muito, né?
- Gosto! Gosto, sim!
- Hum... Mas, assim... O que tu gostas de ouvir?
- De tudo um pouco... Sou bem eclético...
- Hum... Só pelo amor de Deus, me diz uma coisa: tu não gostas de Los Hermanos, né?
- Pelo jeito tu odeias a banda, certo?
- Sim! Odeio! Eu não aguento o som dos caras... Eu já avisei as minhas amigas: em festa que tocar Anna Julia, eu pego as minhas coisas e vou embora na hora!
- Há! Há! Há!
- Sério isso... Tenho pavor daquele refrão: “Oh Anna Júlia, Júlia” e todo mundo lá cantando que nem uns retardados...
- Há! Há! Há! Mas, fica tranquila! Eu também odeio... Aliás, tenho pavor também...
- Que bom! Se não nosso encontro terminava aqui...
- Não! Não! Aliás, acho que os nossos gostos estão batendo, né?
- É...
- Isso é um bom sinal... São os astros, o destino e os nossos gostos conspirando para que fiquemos juntos...

O casal se aproxima. O clima de romance está no ar. Os dedos das mãos se entrelaçam e a troca de olhares é intensa. O primeiro beijo está prestes a acontecer. Poucos centímetros separam suas bocas. É então que, o celular de Diego, que está no bolso da sua calça jeans, toca em um tom bastante audível:

“Nunca acreditei na ilusão de ter você pra mim
Me atormenta a previsão do nosso destino
Eu passando o dia a te esperar você sem me notar
Quando tudo tiver fim, você vai estar com um cara

Um alguém sem carinho será sempre um espinho
dentro do meu coração

Oh Anna Julia
Oh Anna Julia”

(Ninguém consegue ser o que não é por muito tempo)

Faz duas semanas que Diego tenta falar com Fernanda para explicar o ocorrido. Sem sucesso...



* Jornalista e contista gaúcho

Um comentário:

  1. Mentira e falsidade têm limites. Eu adoro Los Hermanos e Ana Júlia, mas eles já enjoaram, e não gostam de ser lembrados por ela.

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