Oh Anna Júlia
* Por Rodrigo Ramazzini
Começo de relacionamento é sempre igual. O casal vai se conhecendo,
trocando figurinhas sobre o modo de vida e de pensar o mundo. Em regra, os
homens tendem a sucumbir aos encantos femininos e, para não gerar qualquer tipo
de discórdia inicial, vai tecendo respostas dúbias e concordando e avalizando
todos os gostos e hábitos da mulher que está tentando impressionar. Com o casal
Fernanda e Diego não foi diferente. Depois de muitas e longas conversas pelos
bate-papos dos telefones e da internet, acontece o primeiro encontro em um fim
de tarde, em um aconchegante barzinho, escolhido por ela. Lá pelas tantas...
- Nós somos
muito iguais nisso, Fê!
- É verdade!
Tu gostares de preto é muita coincidência mesmo...
- É... Ou o
destino fazendo os nossos caminhos se cruzarem...
- Hum...
Filósofo, agora?
- É que tu
me inspiras da cabeça aos pés!
- Abobado! E
filme? Já viste o filme “A culpa é das estrelas”?
- A culpa é
das Estrelas... Deixe-me pensar...
- Eu adorei!
Chorei do começo ao fim... Muito lindo!
- Ah, claro!
Não tem como não se emocionar... Muito bonita a história...
(Ele não
assistiu ao filme)
- Lindo
demais! Bom saber que gostaste da história, Diego! Mostra que és um homem
sensível...
- E tu
esperavas outra coisa?
- Hum... Mas
eu não gosto de filmes de terror e suspense...
- Eu gosto
mais ou menos... Mais ou menos...
- Hum...
(Ele é
viciado em filmes deste gênero)
- Mas eu
prefiro filmes que tenham uma história e tal... Tipo o “A culpa é das
estrelas”... Tipo assim...
- Que bom!
Ah! Me esqueci de zoar contigo ontem: teu time perdeu mais uma... Há! Há! Há!
- Nem me
fala...
- Estou
brincando! Eu nem gosto de futebol. Só vi umas fotos tuas no Facebook no
estádio... Mas, tu não és desses fanáticos, né?
- Não! Só
gosto e assisto aos jogos às vezes...
(Ele não
perde um jogo)
- Ah tá! Eu
não aturaria ser trocada por uma bola!
- Nunca!
Nunca! Jamais...
- Trocando
de assunto... Hoje estou meio chateada...
- Por quê?
- Sabe
aquele meu amigo da empresa...
- Qual?
- O que eu
te disse que era gay?
- Hum...
- Não tem
problema com isso, né?
- Não.
Imagina...
(Não?)
- Ah tá! Não
é que demitiram ele?
- Capaz?
- Sim!
Aquela velha história de redução de custos, que o momento está difícil para a
empresa...
- E não foi
isso?
- Eu acho
que não!
- Então, o
que foi?
- Semana
passada ele e o chefe discutiram asperamente por causa desse lance de
maioridade penal que estava sendo votado. Meu chefe a favor e ele contra.
Bateram boca mesmo. Muito forte!
- E a corda
arrebentou no lado mais fraco...
-
Exatamente!
- Eu sou
contra a redução da maioridade também, mas eu nem me meti na discussão. E tu?
- Eu o quê?
- É contra
ou a favor?
- Mesma
posição que a tua...
(Não se
esquecer de apagar a postagem: lugar de menor vagabundo é na cadeia do
Facebook)
- Que bom!
Olha só... Trocando de assunto de novo... Tu vais à festa do Pub no sábado?
- Não sei.
Por quê?
-
Perguntando...
- Tu vais?
- Óbvio que
sim! Amo sertanejo! Amo! Amo!
- Hum...
- Eu já
tinha te dito isso, não?
- Acho que
sim...
- Esse ano
eu já fui aos shows do Marcos & Belutti, Jorge & Mateus, Henrique &
Juliana, Matheus & Kauan, João Bosco & Vinícius... Bah! E mais um
monte...
- Legal!
- Tu não
gostas muito, né?
- Gosto!
Gosto, sim!
- Hum...
Mas, assim... O que tu gostas de ouvir?
- De tudo um
pouco... Sou bem eclético...
- Hum... Só
pelo amor de Deus, me diz uma coisa: tu não gostas de Los Hermanos, né?
- Pelo jeito
tu odeias a banda, certo?
- Sim!
Odeio! Eu não aguento o som dos caras... Eu já avisei as minhas amigas: em
festa que tocar Anna Julia, eu pego as minhas coisas e vou embora na hora!
- Há! Há!
Há!
- Sério
isso... Tenho pavor daquele refrão: “Oh Anna Júlia, Júlia” e todo mundo lá
cantando que nem uns retardados...
- Há! Há!
Há! Mas, fica tranquila! Eu também odeio... Aliás, tenho pavor também...
- Que bom!
Se não nosso encontro terminava aqui...
- Não! Não! Aliás,
acho que os nossos gostos estão batendo, né?
- É...
- Isso é um
bom sinal... São os astros, o destino e os nossos gostos conspirando para que
fiquemos juntos...
O casal se
aproxima. O clima de romance está no ar. Os dedos das mãos se entrelaçam e a
troca de olhares é intensa. O primeiro beijo está prestes a acontecer. Poucos
centímetros separam suas bocas. É então que, o celular de Diego, que está no
bolso da sua calça jeans, toca em um tom bastante audível:
“Nunca acreditei na ilusão de ter
você pra mim
Me atormenta a previsão do nosso destino
Eu passando o dia a te esperar você sem me notar
Quando tudo tiver fim, você vai estar com um cara
Um alguém sem carinho será sempre um espinho
dentro do meu coração
Oh Anna Julia
Oh Anna Julia”
Me atormenta a previsão do nosso destino
Eu passando o dia a te esperar você sem me notar
Quando tudo tiver fim, você vai estar com um cara
Um alguém sem carinho será sempre um espinho
dentro do meu coração
Oh Anna Julia
Oh Anna Julia”
(Ninguém consegue ser o que não é por muito tempo)
Faz duas semanas que Diego tenta falar com Fernanda
para explicar o ocorrido. Sem sucesso...
* Jornalista e contista gaúcho
Mentira e falsidade têm limites. Eu adoro Los Hermanos e Ana Júlia, mas eles já enjoaram, e não gostam de ser lembrados por ela.
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