quinta-feira, 5 de março de 2015

As emoções atraem e traem

* Por Mara Narciso


Emocionar, diz o dicionário, é causar emoção, impressionar, perturbar, comover. As emoções dão cor à vida. Todos sabem o que é emocionar-se e a frase “estava sob forte emoção” pode justificar crimes e atitudes não civilizadas. A apatia é o seu oposto.

A emoção manifesta-se pela inundação do corpo por hormônios sendo a adrenalina e o cortisol os mais falados. Os esportes radicais proporcionam sensações extremas, pelo risco de se perder a vida. O que é radical para um, pode ser banal para outro, aquela pessoa que, já entorpecida de emoções sem freios, sai em busca de situações ainda mais emocionantes.

Viver no fio da navalha, em risco permanente, pode se tornar um vício. Há quem faça sexo em lugar público pela emoção de poder ser flagrado. Outros traem, para sentir a descarga de hormônios. O perigo de surfar sobre ondas gigantes, pular de pára-quedas, escalar o Everest, mergulhar em águas profundas, saltar de bungee-jump, praticar mergulho subterrâneo, descer montanhas de bicicleta é o móvel dos seus praticantes. Arriscar a vida, buscar a morte, não há limites para a mente humana ávida de perigo.

Ser motociclista é estar em ameaça permanente. Viajar de moto, sentir o vento zunir no corpo, evitando imaginar que a morte pode chegar. Quem sabe estará na próxima curva? Outros vão passear de Buggy sobre as dunas de Genipabu em Natal, e o motorista pergunta: sem emoção, ou com emoção? Medo de viajar de avião? Há quem não tome nem elevador, e há quem seja astronauta.

Sexo sem camisinha: possibilidade de se contaminar com um vírus demolidor. Adrenalina concentrada: uso de drogas múltiplas e a cada dia mais frequentes e em doses maiores. Quando uma overdose acabará com tudo? O quase enforcamento na hora do orgasmo, dirigir aos 200 km por hora, como se a realidade lhe fugisse. Velocidade, montanha-russa. A vida pode oferecer sensações de extrema emoção, de sentir algo maior do que a dor. Em alguns casos, há liberação dos esfíncteres, acontecendo micção e evacuação involuntárias. O controle do temor tem limite, mas a ousadia humana é ilimitada.

Beber até entrar em coma, andar no descampado durante tempestade, voar de para-glider, soltar pipa perto da fiação ou o conserto de algo sobre o telhado pode levar à morte. Numa caminhada, arrisca-se a encontrar um pitbull, ou um assaltante, ou num rastreamento no Facebook pode-se achar uma foto explícita, ou ver uma traição pelo Whatsapp. Morrer de amor, no sentido figurado, alguns procuram, enquanto outros “matam por amor”.

Se por um lado existe quem não tenha medo, e até goste de senti-lo, buscando práticas irracionais, por outro há os medrosos aos quais tudo ameaça. Sem contar a Síndrome do Pânico, tão comum, devido aos perigos iminentes. Os que tremem diante de qualquer adversidade, não conseguem ir ao banco, enfrentar os trâmites da lei, as questões burocráticas, dar depoimento, terminar um casamento ou telefonar para o ex-marido.        

Quanto a falar em público, boa parte evita. Muitos fogem de entrevistas para a televisão. Há os medrosos crônicos, que não fazem nada que ofereça algum risco. Não viajam, não sobem, não descem, não se apaixonam, não vivem. Escondem coisas até de si mesmos. A imprevisibilidade é o lado bom da vida. O maior medo costuma ser de perdê-la, mas perder o juízo ou a memória, deixando de ser quem é, também amedronta.

Sem contar o medo de médico e de doenças, alguém tarimbado, um dia poderá se perder. O cirurgião cardíaco experiente ou o orador de multidões sentirá suas mãos e voz tremerem, sugerindo insegurança.

Um dia, a adrenalina acelera o velho coração, a pressão sobe, o consumo de oxigênio se excede, e as coronárias endurecidas entram em pane. É o infarto, e quem sabe, a morte. Só privilegiados morrem assim. Os demais penam suas doenças, invadidos por cuidadores. Ainda que não possamos escolher quando morrer, a morte é uma emoção que a maioria prefere adiar.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Gostei muito, Mara, parabéns pela belíssima crônica, que nos remete a muitas reflexões. Realmente, muitas vezes somos atraídos pelas emoções, outras vezes somos traídos por elas.

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    1. Agradecida pelo comentário, Edir. Proporcionou-me emoção e agrado. Muito obrigada.

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