Três eus da mesma poesia
* Por Luiz Carlos Monteiro
Tríade é um livro que expõe o estranhamento de quem se reparte em heterônimos e fragmenta a própria poesia. Raimundo de Moraes assume em seus versos, além do próprio nome civil de cidadão e jornalista, dois outros, sustentados na espera elastecida da profana e mítica Semíramis e na performance hedonista homoerótica de Aymmar Rodriguéz. Não se configura em texto para amadores ou puristas, pela crueza e nudez de suas colocações, ideias e atitudes que daí se geram e ramificam.
Editado sob o patrocínio do Funcultura, amplia o conceito de diversidade e abertura para temas mais espinhosos e transgressivos que, num passado recente, seriam impossíveis de aprovação. É um fato que hoje, quando afastados os ventos nefastos da Inquisição e a navalha afiada da censura, ninguém mais precisa se esconder sob o recurso da alcunha ou do pseudônimo, do apelido familiar ou do batismo clandestino. Mas, neste caso de Moraes, existem revelações que ele somente pode fazer com a ajuda de mais dois poetas que coexistem na sua persona.
A ousadia da proposta lembra os ritos pessoanos de se perder e reinventar em outras facetas, fruições e compulsões, lembrando embora as grandes e devidas diferenças entre ambos, de época e país, genialidade e talento, extensão das obras e modos de expressão. A partir da tripartição encetada, Raimundo de Moraes aposta sem hesitar na anulação de recatos e pudores para dizer o que lhe interessa. Coisa inimaginável para os guardiões do moralismo da espécie mais conservadora. E assim, desatam-se vivências subterrâneas e tribais de sexualidade radical principalmente.
Se há algo que une os três poetas, manifesta-se no estilo e na maneira de escrever que se identificam a partir dos sentidos, palavras e dicção comuns. Raimundo de Moraes é mais sóbrio e contido quanto a gostos exóticos e predileções sexuais. Aymmar Rodriguéz se mostra como aquele que não pretende esconder o que lhe vai no corpo e na alma, na pele e nos desejos e práticas rasgadas e desviantes, para ele, sempre confessáveis. Semíramis, a mulher que se debate entre a resignação e a rebeldia, sufoca as longas ausências do amado com o fogo multiplicado da poesia, a partir da presença de outras poetisas no lastro simbolista obscuro de vivências que dialogam no intertexto. A conjunção heteronímica que aqui se constata faz aflorar a novidade e inteligência de uma poesia tríplice e que merece ser lida com olhos bem abertos e atenção redobrada.
* Poeta, crítico literário e ensaísta, blog www.omundocircundande.blogspot.com
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