domingo, 10 de abril de 2011



Maldito cinema falado


* Por Fábio de Lima


O culpado é o cinema falado! Éramos um povo afrancesado no século XIX. Na minha inocência de saudosista, éramos bons. Acreditávamos na importância da literatura, da música, do teatro, da arte de uma maneira geral, incluindo o cinema – a sétima delas – criado em 1895 pelos irmãos Lumière, e que deixou de ser mudo em 1927 com O Cantor de Jazz. Hollywood, com sua infra-estrutura e seu estilo linha de produção, exportou o cinema made USA e, conseqüentemente, o American Way Life para o mundo. Todos os ídolos do planeta passaram a falar inglês; heróis ou bandidos, todos, eram norte-americanos. O povo hollywoodiano passou a escrever a história do mundo.

Países espalhados pelo mundo até tentaram que fosse preservada a língua pátria. Assim, os filmes de Hollywood chegavam até eles dublados ou, até, feitos versões específicas: equipes artísticas estrangeiras eram contratadas por Hollywood para que um filme fosse produzido em várias línguas. Pela manhã filmavam os americanos, à tarde os franceses, à noite os italianos – o mesmo filme. Eram assim que as coisas procediam. Já o Brasil não aceitou a dublagem, então, apareceu em nossas telas a tradução. Para começar, o som de nossas salas de cinema ficou sem qualidade, afinal, ninguém tinha que, necessariamente, escutar o que os atores estavam falando, bastava ler. Mas, foi só o começo.

Tudo dos Estados Unidos passou a ser mais bonito aos nossos olhos. Os filmes do oeste americano mais bonitos que os filmes sobre nosso cangaço. Frank Sinatra melhor cantor que Francisco Alves. Os carros rabo de peixe mais charmosos que o fusquinha. As loiras de estilo Marilyn Monroe mais sensuais que nossas morenas – e tantas outras coisas. Ser colônia norte-americana não fez do Brasil uma potência, porque perdemos nossa identidade, aliás, nem a desenvolvemos. O nosso país passou a ser o país do faz de conta, inspirado em Hollywood. A formação afrancesada fora substituída pela americanizada, tanto pelas elites como pelo povão.

Palavras me vêem à memória neste momento: o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil! Getúlio Vargas foi um ditador singular, pois, enquanto todos os outros, e aí enfatiza-se, Hilter, Mussolini e Stalin, valorizaram e exacerbaram a cultura própria de seu país, ele, supervalorizou a cultura norte-americana. Pode parecer simplório culpar o advento do cinema falado por todos os problemas brasileiros, mas é óbvio que a situação calamitosa atual teve como base coisas simples, às quais não foram dadas as devidas atenções e, hoje, depois de deturpados todos os valores, deles invertidos e convertidos para a satisfação dos interesses de uma minoria, não se enxerga a base do problema.

No entanto, mesmo desmitificando o problema, não se acha a solução para o Brasil. É importante salientar que, na metade do século passado, o brasileiro passou a contar, em sua casa, com outro meio de controle norte-americano. Sobre nossas cabeças apareceu a televisão. E na década de 60 implanta-se no Brasil a Rede Globo, ela, nada mais que uma Hollywood Tupiniquim, onde cria-se outro mundo do faz de conta. A Rede Globo é a materialização da fantasia de uma geração Coca-Cola. Essa geração, uma cria hollywoodiana como tantas espalhadas pelo mundo.

Voltando ao cinema falado e suas conseqüências, faz quase 80 anos que tudo começou e a única prova do acontecido, do crime, não só em relação ao Brasil, mas, ao mundo, desapareceu em 1977, quando da morte do último dos moicanos – Charlie Chaplin! As esperanças findavam-se com ele e o cinema falado triunfava. Coincidência ou não, jamais o mundo foi o mesmo. Raciocínio simplista? Não sei! O fato é que hoje à noite comerei uma pizza enquanto assisto a um bom e velho filme mudo. Ser brasileiro, às vezes, dói nos ouvidos e, todas às vezes que escuto os noticiários do meu país, me dói a alma. Maldito cinema falado!


*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.

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