quarta-feira, 6 de abril de 2011



Cama, mesa e banho


* Por Mara Narciso


Tirem as crianças e pessoas sensíveis de perto que o tema é desagradável. As grandes questões, ou seja, como a pessoa lida com religião, dinheiro, família, filhos, sexo, e infidelidade nem sempre configuram o estopim da eclosão de uma separação.

Dividir a mesa do jantar pode ser mais penoso do que se pensa, e não apenas entre casais formados há mais tempo, como também aos recém-formados. Alguns durante o namoro, ainda controlam as suas fúrias animais, porém, mal juntam os travesseiros, já mostram que suas mãezinhas ensinaram, que eles aprenderam, mas não praticam boas maneiras porque não querem.

A pessoa vai se graduando, aumentando o acesso ao dinheiro e a educação, algumas se sofisticam e fazem cursos de bem receber, de como se portar á mesa, adquirindo a chamada finesse. Outros debandam no sentido oposto, e ainda criticam o par, quando os dois extremos fazem parte do mesmo casal.

A eliminação ruidosa de gases via superior ou inferior à mesa é algo que já irritou casais a ponto de se divorciarem. Dividir a mesa é mais difícil do que a cama. Há os que pegam alimentos com a mão, lambem a colher e a enfiam novamente no prato, comem com a boca aberta, falam mastigando, bebem e comem sujando a borda do copo ou a roupa, ignoram o uso de guardanapos, cortam todo o alimento de uma vez, incomodando ao outro, cuja reclamação é considerada frescura. Há os que preferem comer fazendo um grande mexido, os que comem depressa com grandes bocadas e ruídos, e os que comem polidamente, com delicada sofisticação.

Há os que, ainda durante a refeição, palitam e chupam os dentes várias vezes, para desespero do par, que acredita ser uma aberração a existência de palitos (ausentes nas mesas finas). A mistura de pessoas de classes sociais distintas, mesmo com condição financeira semelhante, ou nível de escolarização próximo, pode resultar em conflitos maiores. Na época da conquista, talvez um dos dois faça vistas grossas, para depois essa diferença se tornar uma característica irreconciliável. Um deles já acabou de se alimentar e fica à mesa conversando, e tira uma prótese, total ou parcial e começa a limpá-la. Pedir para parar com aquele hábito nojento vai dar em divórcio.

Limpar o nariz em público, de todas as maneiras possíveis, com o dedo, a água da torneira, ou o lenço sempre desagrada a quem vê. Aliás, se não fosse para respirar, melhor mesmo que nem existisse nariz, especialmente quando a pessoa gripa. Deveria ser proibido sair de casa quando se estivesse com coriza. Mobilizar a secreção com força, ora para dentro, ora para fora, durante vários dias de gripe é uma tortura para os estômagos sensíveis. Ninguém quer gripar, mas sair distribuindo vírus a todos é um contrassenso.

Na cama de casal um pode ficar encolhido usando um terço do espaço, enquanto o outro abre as pernas e, estando bêbado, ronca como uma bola de boliche em processo de rolagem e ainda dá pernadas a noite toda. Caso a vítima vá dormir noutro quarto (se houver), é caso de amplas discussões. Ou ainda, um morre de calor e o outro morre de frio. Um quer ar condicionado ligado, enquanto, resmungando, o outro pega um cobertor. Ou o ventilador nunca é desligado, e o barulho incomoda um dos dois. Fora a discussão sobre o valor da conta de luz, o ambiente pode esquentar muito com tal discórdia. Geralmente é a mulher que sente frio, mas nem sempre é assim, após a menopausa.

No banheiro os problemas são: calcinha secando no box, duração do banho (pior quando um dos dois não gosta de tomá-lo), sabonete cheio de cabelo e pelo, chão ensaboado e escorregão do que chega depois. Para o drama da toalha molhada, é só cada um ter a sua, mas haverá uma toalha úmida e embolada sobre a cama. A pia apresenta resíduos deixados pelo usuário anterior, a pasta de dentes está esmagada como o outro desaprova, ou sem tampa (caiu no vaso). Nem convém mencionar os avessos à escovação. Pente sujo, que só um dos dois costuma lavar. O vaso sanitário com respingos de urina no chão, a tampa molhada, seja levantada ou arriada, sem contar os sinais de menstruação não camuflados, o papel usado e escancarado, quando poderia ter sido dobrado. Não dar descarga é um descaso que alguns consideram pequeno. Usa e vai saindo, sem lavar as mãos, impondo aos outros a visão das suas excreções e o compartilhamento de todas as suas bactérias, vírus e vermes.

Mau-humor? Implicância racional? Longe disso. Danuza Leão defende que não se devem deixar vestígios no banheiro, e é de bom tom que fique mais limpo do que antes da sua chegada.


* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

4 comentários:

  1. Excelente tema, que nem todos ousam abordar. Conviver é difícil. Haja compaixão entre nós! Abraço!

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  2. Isso não é uma crônica, é um tratado sobre o assunto. Com cama, mesa e banho, Dra. Mara fez uma verdadeira liquidação. Não sobrou uma peça no estoque de porquices que assola o cotidiano. Muito bom.

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  3. Lembrei-me de dona Ana bem velhinha e senil
    limpava o nariz com o pano de prato, quando
    comia espalhava grãos de arroz pela casa
    como que a deixar para os passarinhos.
    Concordo que certos hábitos são nojentos mas a truculência com a qual ela era tratada, era bem pior.
    A impressão que nos dá é de que a educação termina
    quando se fecham as portas.
    Ótimo texto.
    Abraços

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  4. Não toquei no ítem fio dental para poupar as almas mais enojadas. Danuza Leão defende que seu uso deva ser a portas fechadas, dentro do banheiro, longe do espelho e no escuro. Mas tenho visto gente fazer isso na sala-de-visitas e o detalhe: o mesmo pedaço de fio ser usado por mais de uma pessoa, em sequência.
    Envelhecer leva a um certo relaxamento da educação, e nem todos se comportam sozinhos(tema que já abordei), como quando estão em público(menos mal).
    Sayonara, Marcelo e Núbia, obrigada pelos comentários. Foram complementos indispensáveis.

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