sexta-feira, 15 de janeiro de 2010




Politicamente correto ou índio não enche o saco

* Por Renato Manjaterra.

Os Negros já foram pretos, afrodescententes (acho que com e sem hífen, antes e depois da revisão ortográfica ou vice versa) e nomes até mais dignos dos europeus! Até as últimas pesquisas, acho que ainda estavam chamados de Negros.

Diversas minorias ou maiorias oprimidas são tratadas por nomes feios. Acho que todos os grupos que não produzem sua cultura autônoma escrevem sua história ou deixam sua identidade numa parede e acabam sendo conhecidos por nomes dados pelos vencedores: bichas, pretos, putas.

Os gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e as outras pessoas que têm hábitos sexuais ou se consideram em situação análoga também têm um nome politicamente correto bem difícil. Recentemente, na conferência nacional, na finalíssima da discussão de todos e todas elas, com os delegados reunidos na capital federal, tipo domingo à tarde, na plenária final... as lésbicas resolveram que o nome da galera toda estava errado.

Juro por Deus! As lésbicas se ligaram num jeito de dar uma compensada em décadas ou séculos de duplo preconceito. Sim, porque elas são vítimas da mesma opressão que sofrem os gays, os homens de opções sexuais diferentes da mais comunzinha. E além dessa opressão são mulheres. Ninguém aqui vai perguntar e daí, vai? Vai ser mulher na Terra que você vai entender.

Assim, na condição de vítima desse duplo preconceito, o grupo veio reivindicar que a inicial de Lésbicas, seja a primeira letra da cada vez mais longa lista.

Mudou o nome do movimento. Não acho que tenha mudado mais muita coisa no cotidiano delas.

Tratar direitinho os caras que andam na cadeira de rodas também é bem complicado. Não é preconceito de gênero meu não! Eu acho mesmo que tratar uma mulher na cadeira de rodas é a mesma treta. Ah deixa para lá pelo amor de Deus! Digamos que tratar um casal em duas cadeiras de rodas é difícil, pode ser assim?

Pois bem, já foram pernetas, mancos, coxos, claudicantes, deficientes, portadores de necessidades especiais, portadores de deficiência... Hoje não portam mais nada, acho que voltaram a ser só deficientes ou são simplesmente especiais.

Índios não enchem o saco, já notou? Nunca encheram! Tem desde o peladão de Ubatuba até o da neve, tudo índio.

Uns tinham um calendário mil vezes melhor do que o nosso, outros nem falavam direito. Para nosso avô era tudo índio.

Tem paredes construídas pelos Incas que os espanhóis tentaram fazer parecido. Dizem que as primeiras foram construídas pelos Incas enquanto as outras pelos incapazes. Tem tribos nos fins de mundo da América que comem a carne dos inimigos. Tem gente no Pará que tem tudo que é tipo de sangue – europeu, nativo, negro – e é chamada simplesmente de índio, índio véio.

E é um nome que era reservado para outro lado do planeta, onde dizem que os espanhóis queriam chegar. E mesmo assim, nem os negos do interior do Pará, nem os nativos das reservas da Serra do Mar ou do Mato Grosso e nem os avançados pré-colombianos reclamam.

Pode ser porque eles não participam tão ativamente da produção cultural eurorreferenciada da América, não escrevem, não disputam. Simplesmente chegam à sociedade organizada por nós descendentes de europeus e entram quietinhos pelas portas dos fundos. E vão se aninhar na margem.

Pode ser porque eles não têm sequer capacidade de se organizar para exigir cada grupo o seu tratamento, exigir que se use o termo Fulniô para os Fulniôs, o termo Inca para os Incas, o termo Pataxó para os Pataxós – e de quebra garantir que seja tipificada a conduta de se pôr fogo em alguns deles.

Pode ser, também, porque eles têm mais o que fazer garantindo cada um a sua sobrevivência em um ambiente essencialmente hostil.

Ou pode ser porque eles simplesmente não se importam. Vai entender esses índios...

* Jornalista e escritor, bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCAMP, blog http://manjaterra.blogspot.com


3 comentários:

  1. São muitos termos para o meu gosto.
    Esse pode! Esse não, é políticamente incorreto.
    E por aí vai.
    Se a mudança desse ou daquele termo vier acompanhado da mudança de atitudes, então me chamem do que quiserem.
    Parabéns Renato
    Abraços

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  2. Quando a terminologia agradar a quase todos, vem um e desmancha tudo, fazendo um recomeço. Parece longe de se acabar essa discussão, pois o que não é pejorativo hoje, amanhã poderá se tornar. Não vejo com estranheza as próprias minorias escolherem o termo que gostariam de ser chamados. O tom do que é dito fala mais alto do que a palavra em si. Então, várias podem ser as interpretatações.

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  3. "Se a mudança vier acompanhada de mudança de atitudes, então me chamen do que quiserem". "O tom do que é dito fala mnais alto do que a palavra em si". Que bom ver gente acessando, entendendo e contribuindo, completando... Muito obrigado Nubia, Mara (velha amiga do C-se) e Pedrão.

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