terça-feira, 26 de janeiro de 2010




A Bailarina e o Poeta

* Por Risomar Fasanaro

O que pode acontecer quando se encontram uma bela mulher e um homem sedutor? Mais, se juntarmos a isso o fato de essa bela mulher ser Isadora Duncan, a bailarina que revolucionou a dança clássica no mundo? A mulher transgressora, que nos anos vinte já pregava a liberação da mulher e o aborto? E o poeta... Bem, o poeta era Oswald de Andrade, também um homem revolucionário, que adorava impressionar suas conquistas.

Dizem que comprou um cadilac verde, o único da cidade de São Paulo, apenas porque..porque...tinha um cinzeiro, luxo que outros carros não tinham.

O Poeta era todo charme. Embora obeso, e com feições que nada tinham de galã, quando abria a boca as mulheres caíam aos seus pés. Foi assim com a belíssima Anita Malfatti, por quem muitos dos intelectuais dos anos vinte se apaixonaram. Mas não apenas a Malfatti, Pagu também morria de amor por ele. E por ela ele abandonou a mulher Anita.

Mas eis que a bailarina norte-americana passava por São Paulo. Não sei exatamente o ano, mas é provável que tendo se apresentado no Rio em 1916, tenha sido naquele ano que ela veio a São Paulo. E não deu outra: ao vê-la o poeta se apaixonou.

Mas eram muitos os concorrentes. Uma mulher como aquela, livre, leve, e linda despertava paixões masculinas por onde passava, ainda mais naquela paulicéia que ainda não era desvairada, mas sim a comportada São Paulo dos barões do café.

Mas o poeta era inteligente e astuto. Contam até que pouco lia, mas ouvia atentamente os comentários que o amigo Mario de Andrade tecia sobre os últimos lançamentos editoriais de Paris, e dez minutos depois discorria sobre o livro como se o tivesse lido e relido.
..
Dizem também que às vezes o poeta mentia. Que certa vez teceu tão bem uma fofoca, que provocou uma cizânia entre o amigo Mário e outro escritor. Mas Mário não conformado com a injúria levou-o à acareação. E o que fez ele quando se viu em apuros com o caluniado perguntando: “eu disse isso?” Ele com a cara mais deslavada desse mundo, olhou bem pro M´[ario, e cinicamente respondeu: “pois é...eu menti”.

Mas tudo isso, leitor é perdoável a quem como ele criou versos tão bonitos, aproximou nossa língua escrita da língua falada, e sofreu tantas perseguições por ser comunista. Mas isso foi bem mais tarde.

Mas foi ele quando ainda era essa espécie de Macunaíma que arquitetou de forma perfeita um plano para ter um encontro clandestino com ninguém menos que Isadora Duncan. Driblou todos os concorrentes e conseguiu ter só para si a companhia daquela mulher.

Para não dividi-la com ninguém, ele se escondeu dos amigos, e levou-a para uma chácara em Osasco. Sim, foi em Osasco que aquela deusa cobiçada pelos artistas da época dançou seminua para o poeta, embaixo de uma paineira, em uma casa com tijolos à vista e que ainda se encontra de pé, e quem sabe, um dia virá a ser tombada.

Plantada entre muitas árvores, nos fundos da construção existe um córrego, o Bussocaba, e diziam os antigos moradores que foi à beira do regato que se deu o encontro amoroso entre os dois: a bailarina e o poeta.


* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.


6 comentários:

  1. Sábio é o homem que sabe fazer
    uso de seu melhor instrumento: a
    palavra.
    A beleza está em como dizê-las.
    Sedução das boas.
    Adorei Ris.

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  2. Memória deliciosa que vc, cara Ris, narra com sabor especial. Relato dos mais gostosos que eu gostaria de ouvir na varanda entre goles de café e bolachinhas Piraquê.

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  3. Obrigada Nubia e Daniel. Quem sabe qualquer dia a gente se reúne pra contar essas e outras historias "entre goles de café e bolachinhas Piraquê"?
    Beijos nos dois
    Ris

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  4. Belo, belo, belo. Daqui deu pra entrar nesse cenário que você foi construindo ao longo da narrativa. Juro que quasi vi a Isadora nua...

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  5. Os muito inteligentes não se apertam. Até falar a verdade pode ser uma solução. Há cem anos os jogos amorosos podiam ser diferentes dos de hoje, mas os objetivos eram os mesmos. A beleza e o dinheiro, continuam imbatíveis nesse jogo, mas a vivacidade torna o feio irresistível. E tudo se passa em seu quintal Risomar, onde Osasco mais uma vez se fez palco da dança. Bravo!

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  6. Oswald de Andrade era assim tão sedutor ? O homem que faz uso da palavra é irresistível. Sedutor como Vinícius.
    Risomar,
    Adorei conhecer a históira da Bailarina e do poeta.
    Então ela bailou para ele ?
    Respeito-o agora, não só como poeta mas também como um grande sedutor. Que aliás, atualmente é raro encontrar um homem sedutor que faz uso da palavra e conquista pela inteligência.
    Os homens estão tão bobocas, Ris.

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