segunda-feira, 18 de janeiro de 2010




O plano

* Por Celamar Maione

Tarde de sábado. A chuva apertou quando Marizete entrou no café. Lurdes fez um sinal e ela se aproximou ajeitando o cabelo:
- Senta logo pra não cair!
- O que aconteceu? Você me ligou hoje de manhã e disse que era urgente, fiquei roxa de curiosidade. Conta.
- Além de roxa, você vai ficar besta também! Adivinha quem vai casar?

A garçonete anotou os pedidos e se afastou Marizete chamou-a de novo e fez outro pedido:
- Por favor, traz também uma água mineral. Bem gelada. Agora fala, Lurdinha, quem?
- A Soninha.
- SONINHA DENTUÇA?

Marizete ficou alguns minutos em silêncio e depois continuou:
- Fala. È ela?
- A própria.
- Com quem?
- Continua sentada para não cair.
- Você quer me matar de curiosidade?
- Com o Nogueira.
- O NOGUEIRA? Aquele filha da puta que não queria compromisso sério?
- NÃO queria com você, queridinha, mas queria com a Soninha Dentuça.

A garçonete serviu as amigas e deu um sorriso antes de se afastar. Desanimada, Marizete empurrou o pão de queijo e deu um gole no chocolate.
- Não quero mais comer. Perdi a fome.
- Por que, amiga? Vai me dizer que você estava apaixonada pelo Nogueira?
- O Nogueira vivia atrás de mim, e eu esnobei o cara. Todo mundo dizia que ele não
queria compromisso sério.
- E não queria mesmo!
- Como? Agora tá de casamento marcado com a Soninha dentuça. Ela é horrorosa.
- Amiga, ele deve estar apaixonado pela Soninha dentuça.
- Duvido. Ele vai se casar com ela por despeito. Porque eu não quis ir para a cama com ele.
- Então é isso. A Soninha foi, ele gostou e se apaixonou. Deve ser boa de cama.
- Ela é muito sem graça. Duvido que seja boa de cama. Além de tudo é burra.
- Os homens preferem as burrinhas, fica mais fácil para manipular.
- Burra, nunca . A burrice é uma vergonha. Prefiro ficar só.

Marizete bateu com as duas mãos na mesa e fez careta. Irritada, puxou um fio de cabelo do rosto.
- É amiga, só que as inteligentes estão ficando encalhadas – disse Lurdes com ares de maledicência.
- Encalhada, eu?

Marizete virou os olhos de despeito, pediu licença e foi até o banheiro. Voltou fazendo mistério e chamou a garçonete. Pediu um café expresso, virou-se para Lurdes e apertando a ponta do guardanapo, falou:
- Tenho um plano. Não vai ter casamento. O Nogueira não casa com a Soninha dentuça.

Lurdes respirou fundo com jeito entediado e desdenhou da amiga:
- O que você vai fazer? Matar o Nogueira?
- Não . Tenho um plano e a Soninha dentuça vai cair. É burra demais.
- Qual?

Cochicharam. Marizete pegou o celular na bolsa e ordenou:
- Anota o número da Soninha dentuça. Ela não conhece o número do seu celular. Vou ligar para o Nogueira e marcar um encontro. E você liga pra ela.
- E quando será o encontro?
- Agora. Não posso perder tempo. Enquanto eu marco com ele, você liga para a Soninha dentuça e dá as coordenadas. Ela vai também e pega nós dois em flagrante. O resto é comigo.
- E se ele não quiser?
- Duvido. Nogueira é de negar mulher se oferecendo pra ele?

Marizete ligou primeiro. Com a voz macia, seduziu Nogueira:
- Como é que você está, amor? Saudade.

Marcaram um encontro para ás sete da noite.
- Te espero então naquele barzinho do nosso último beijo. Vamos rever os velhos tempos. Até já.

Lurdes apertou os lábios e fez uma careta:
-Será que vai dar certo?
- Deixa de ser pessimista. Ele já caiu. Agora liga para a Soninha dentuça e diz que o noivo dela vai se encontrar com outra e dá o endereço do bar.

Lurdes desligou o celular e olhou para Marizete:
- Mordeu a isca.

Fizeram hora passeando pelo shopping . Seis e meia Marizete olhou o relógio, nervosa:
- Tá na hora. Já vou. A chuva pode apertar e não quero chegar atrasada. Me deseja boa sorte.

Sete em ponto Marizete entrou no bar. Dez minutos e nada de Nogueira. “Será que ele não vem? Não é possível. Nunca me deu bolo“.

Sete e vinte da noite. Marizete abriu a bolsa para pegar o celular. Antes, olhou para a porta do restaurante. O coração acelerou. Quase deixou o celular cair no chão. Nogueira aproximou-se sorridente, de mãos dadas com Soninha. Cumprimentou-a educadamente e em seguida puxou uma cadeira para a noiva. Acomodado, pigarreou e olhando nos olhos de Marizete comentou:
- Fiz questão de trazer a Soninha. Vocês se conhecem?

Marizete não respondeu. Apenas balançou a cabeça sem jeito e lançou um sorriso tímido para a rival. Depois de acarinhar Nogueira no rosto, Soninha tirou da bolsa um envelope branco e dirigiu-se com ar superior para Marizete:
- Nosso convite de casamento. Gostaria muito que você fosse. Faço questão.

* Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.







5 comentários:

  1. Nem todos os planos dão certo, e até mesmo homens podem ter atitudes responsáveis. Surpresa geral pela inversão de papéis.

    ResponderExcluir
  2. Que bela porrada não?
    Estou sentindo aqui no meu estômago.
    Despeito é um sentimento pequeno demais.
    Adorei Cel.
    beijos

    ResponderExcluir
  3. Excelente, Celamar! As pessoas mudam! Beijos!

    ResponderExcluir
  4. O medíocre se satisfaz com a infelicidade do outro e, para ele, a ventura alheia é letal. Pois que morra em paz, né, Cel? Boa cacetada!

    ResponderExcluir
  5. Tenho visto inúmeras historias assim, Celamar, em que o galã deixa a princesa por um dragão. A paixão é irracional.
    Bjs

    ResponderExcluir