terça-feira, 1 de setembro de 2009




Quicho da Mariela

* Por Risomar Fasanaro

16 de julho, um dia chuvoso em Posadas, Argentina. Ao me levantar naquela manhã, meu primeiro pensamento foi: hoje vou ver o local onde Che Guevara passou parte de sua infância. Precisava daquele incentivo para sair dos cobertores e enfrentar o frio intenso que fazia.

Após o café no hotel, saímos para visitar o solar do Che, e depois fomos almoçar no Quicho da Mariela, uma espécie de “rancho” pertencente a uma família que foi amiga dos Guevara, embora as moças que nos recepcionem não tenham conhecido o guerrilheiro.

O local é despojado, sem paredes laterais, com algumas mesas compridas e bancos de onde víamos as moças assarem pães caseiros no fogão a lenha. Grandes cestas com frutas e o churrasco assando, tudo ali, ao lado da gente, me remetia a um dia distante de minha infância quando pela primeira vez comi churrasco.

Um sargento gaúcho tinha chegado do Rio Grande do Sul para morar na vila militar em Socorro, Pernambuco, e os colegas recepcionaram a família do novo morador com aquele churrasco. Foi um domingo de festa em que todas as mães se envolveram com aquele almoço. Umas cortavam as verduras, outras preparavam um molho de vinagrete, algumas preparavam a mesa e nós, crianças, corríamos de um lado ao outro ou subíamos nas árvores.

Ali, naquele rancho, “viajei” através do tempo, vendo as árvores que lavadas pela chuva, tornavam-se mais verdes e me fez pensar que todos os lugares do mundo têm alguma coisa em comum. Que ali reencontrei um pedaço de mim que estava tão distante no tempo quanto no espaço. Lembrei de uma frase de John Lennon: “visitei todos os lugares, mas só me encontrei dentro de mim mesmo”. É. É isso mesmo. Por mais distante que a gente esteja, fios invisíveis nos levam às nossas raízes.

Àquela altura da viagem já estávamos todos enturmados. Gosto muito daquelas pessoas que se na saída não conhecia, agora já se tornaram próximas. Gosto principalmente de ver que há naquela excursão vários jovens muito interessantes e muito gentis. Ao longo da viagem os laços vão se estreitando e o clima de amizade vai aumentando. Tanto que no momento da despedida combinamos um reencontro em SP. Encontro que, como tudo neste país, terminou em pizza. Desta vez no Bixiga.

Após o almoço fomos convidados a conhecer o pequeno museu de pedras que a proprietária do sitio, artista plástica, instalou no local. Uma das filhas da artista nos conduz até lá e me surpreendo ao ver o mural com flores de pedras incrustadas que há logo na entrada. Lá dentro inúmeras rochas, todas catalogadas pela proprietária, e mais surpreendente ainda é o jardim em que ela dispôs as pedras formando outras flores, trabalho que possivelmente é único.

Lembrei das minhas, separadas pelos lugares de origem, em vidros médios de Nescafé. Única catalogação de que a dona é capaz.

Após a visita àquele museu saímos em direção a mina de geodos de Wanda onde a emoção se renova. Mas escrevo sobre ela na próxima semana.

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

Um comentário:

  1. Mina de geodos, hein! Fiquei curioso. Uma curiosidade que se renova a cada crônica de viajante. O negócio é pé na estrada e sempre em frente. Confio no seu leme, cara Ris!

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