sábado, 5 de setembro de 2009


Botequim virtual

Eis-me de volta ao nosso botequim virtual (refiro-me a este espaço de editorial e não ao Literário, claro), após um dia de ausência, ditado por circunstâncias que fugiram ao meu controle. O motivo, porém, não é nada secreto e por isso satisfarei sua curiosidade. Fiquei o dia todo sem acesso à internet. Ainda bem que, antes dessa ocorrência (chatíssima, por sinal), consegui postar todos os textos dos colunistas de ontem. Detesto dar mancadas em quem quer que seja, mesmo que por razões alheias à minha vontade.
Senti falta das nossas tertúlias. Espero que você também tenha sentido. No barzinho onde me reúno há anos com meus amigos escritores às vezes, também (posto que raramente), também me ausento. Quando isso acontece, é verdade, é um deus-nos-acuda. Meu telefone não pára. São ligações e mais ligações querendo saber o motivo da minha ausência. Até o dono do bar, o Manoel, um simpático português dos Açores, que confessa não entender nada do que falamos, mas que garante gostar demais da nossa conversa, invariavelmente me liga para saber o que aconteceu.
Outro dia, queixei-me de falar sozinho aqui, no nosso barzinho virtual. Claro que isso chateia, mas não se preocupem. Já estou acostumado. Nas reuniões no bar do Manoel isso, muitas vezes, também acontece. E lá também reclamo. Ocorre quando assumo ares professorais, que vários amigos consideram como pedantes (coisas de quem já lecionou), como se verifica aqui, sempre que trato de algum assunto, digamos, “árido”. Nessas ocasiões, a debandada é geral, ou quase (refiro-me ao bar do Manoel).
Primeiro um se levanta, com a desculpa de que prometeu à esposa chegar mais cedo em casa. A seguir, outro o imita, dizendo que precisa se deitar mais cedo, pois tem compromisso inadiável no dia seguinte. Um terceiro, que visivelmente já está pra lá de Marrakesh, meio que bambeando as pernas, também se despede, dizendo que bebeu demais e não quer chegar bêbado em casa (mais do que já está!). E assim por diante. A turma acha que engulo numa boa essas desculpas, mas são tão esfarrapadas que chego a rir da situação.
Por isso, não “se aveche” quando considerar que minha conversa está chata ou pedante, dessas para “boi dormir”. Pule o editorial, mas não saia do Literário. Prestigie os colunistas, pois estes sim falam sério e trazem à baila assuntos relevantes, exclusivamente literários e de boa literatura.
Quando isso acontecer, certamente vou reagir como sempre reajo. Ou seja, vou reclamar à beça. Aliás, como reclamo quando o mesmo acontece no bar do Manoel. Mas tenho certeza que, como ocorre lá, quando falto a algum encontro aqui, alguns sentem minha falta. Não se preocupem. Como ocorre com aqueles velhos amigos, aqui também sempre acabarei voltando. E ora falando sério, ora partindo para a galhofa, quando não para a ironia. A vida também é assim. Não pode ser encarada, sempre, com extrema seriedade, “a ferro e fogo”, sem uma dosesinha de humor, até para o bem das nossas artérias.
Por falar em dose, “ô Manoel, traz mais três cervejas, que o papo começa a esquentar”. E, para que vire debate, lanço, aqui, uma pergunta (por sugestão do Urariano): quem foi melhor, Tolstoi ou Dostoievski? Nessa, confesso, prefiro ficar em cima do muro. E você, o que acha?

Boa leitura.

O Editor.

4 comentários:

  1. Não vou deixar esquentar a cerveja. Tolstoi foi maior, mais largo e profundo. O conde produziu ótimos contos até a idade avançada. Lembro um extraordinário, que me deslumbrou e deslumbra até hoje: "Depois do baile" (cito o título de memória, das obras completas dele, em edição potuguesa). Isso pra não falar da melhor novela do mundo, "A morte de Ivan Ilitich". Isso pra não falar em Ana Karenina, no monumento Guerra e Paz ...
    Agora, ser menor que Tostoi não é desmérito. Estamos falando de um gigante (apesar de sua pouca estatura física). Dostoievski em Crime e Castigo é extraordinário. Isso pra não falar nos Irmãos... onde antecipa a psicanálise, Freud, muitos anos antes. Pergunta Ivan, aos jurados que se escandalizam: "mas que homem nunca pensou em matar o próprio pai?"
    Mais: na literatura russa, até mesmo os "menores" seriam maiores em qualquer lugar do mundo. Penso em Turgueniev, autor de uma delicadíssima novela, "Primeiro amor", uma obra-prima. Penso em Checov (menor?! Mil perdões.) Penso em Górki. Penso no gênio de Gogol. E penso...
    Garçom ,mais uma cerveja.

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  2. Confesso que oscilo, com infidelidade explícita em relação a ambos, ora entre Tolstoi, ora entre Dostoievski, para definir qual foi o melhor dos dois. Quando me lembro da fase mística do primeiro, sinto-me tentado a descartá-lo de pronto. Virou um fanático chato e sem graça. Aí, vem-me à mente a irresponsabilidade de Dostoievski, deixando, numa única noite, nas roletas dos cassinos da Europa (notadamente no de Montecarlo) o fruto do seu trabalho de anos, para desespero da família. Mas vem-me à lembrança um dos personagens de Tolstoi em “Guerra e Paz”, um tal de tenente Bondartchuk, que se atira com coragem à batalha contra os soldados de Napoleão e é massacrado por eles. Esse sujeito tem tudo para ser meu ancestral, já que meu sobrenome verdadeiro deveria ser Bondartchuk. Ficou Bondaczuk por erro de um escrivão do cartório de Horizontina onde fui registrado. Achei chique inaugurar um sobrenome inédito, inexistente em qualquer lugar do mundo e assumi esse erro como grande sacada. Por razões sentimentais, nesses momentos, pendo em direção de Tolstoi (embora me sinta vexado com meu ancestral que confundiu heroísmo com temeridade). Contudo, vêm-me à mente “O idiota”, “Crime e castigo”, “Recordação da casa dos mortos” e “Os irmãos Karamazov”. Sobretudo aquela reflexão de Ivan Karamazov, em que um inquisidor da Espanha interroga Jesus Cristo e o considera “culpado” de heresia. É um trecho fabuloso e inigualável. Tudo isso faz minha preferência voltar a recair sobre Dostoievski. Nesse jogo de infidelidades, todavia, traio os dois de uma só vez e aposto em Gogol, criador daquele inesquecível personagem, o Akaki Akakievitch. Gogol, porém, também não fica impune. Lembro-me, sobretudo, dos contos de Máximo Gorki e volto a trair, desta vez não apenas Tolstoi, ou Dostoievski, mas inclusive Gogol. Por estas e outras findo, mesmo, por permanecer em cima do muro. Mas que considero um barato esse jogo de traições, ah, isso considero mesmo. Como eu sou volúvel, meu Deus!!!

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  3. Senti muito a sua falta, e imaginava que fazia silêncio em represália às queixas sobre sua conversa difícil. Então foi algo menos prosaico do que birra? Ainda bem. Quando aos autores citados, ainda não os li, mas cuidarei de preencher essa lacuna imperdoável.

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  4. Nessa, não entro. Falar de literatura russa é mexer em vespeiro, e não só pq levanta paixões, mas tb pq reúnem-se, ali, os maiores escritores do mundo. Não tem espanhol, francês, alemão, inglês ... nada, ninguém! Pois, não discuto, mas tomo assento na platéia. E com muito gosto.

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