Platão e o Mito da Caverna
As pessoas
comuns, que não se destacam por altos dotes de inteligência e
sólida cultura, têm, dada a educação formal que recebem (no lar
e, principalmente na escola), altamente deficiente, apenas uma pálida
e distorcida noção do que se entende por “realidade”. Conhecem
apenas seus reflexos e jamais sua extensão.
Era assim
no passado remoto, quando o conhecimento adquirido era passado, de
uma geração a outra, somente de forma oral, já que não existia
ainda o alfabeto e, por consequência, a escrita. E continua da mesma
forma, pelo menos para a maioria, a despeito do magnífico aparato de
comunicação que temos ao nosso dispor.
Entre
vários conceitos, por exemplo, a concepção que o homem
contemporâneo tem do bem é eivada de distorções e de equívocos.
Mais equivocada ainda, fundada em mitos e em contradições, é a sua
idéia de divindade. Ou seja, do conceito do suprassumo da perfeição.
A educação
formal que se ministra (que na verdade não passa de mero
adestramento), salvo raras e honrosas exceções, equivale a se
amarrar uma pessoa na entrada de uma gruta escura, sem que ela possa
se mover para lado algum, por onde penetra, por uma pequena fenda,
tênue raio de sol que, refletido nos objetos, e nos que passam pelo
local, projeta sombras nas paredes. Essa imagem resume o célebre
“Mito da Caverna”, do filósofo grego Platão, exposto no livro
sexto de “A República”.
A
totalidade das religiões apresenta o conceito da divindade (ou de
divindades, no caso das politeístas), de forma primária, parcial e
distorcida. O homem projeta em Deus suas próprias imperfeições,
fraquezas e paixões. Ele é figurado, com uma variação ou outra
que não O diferencia tanto, como um Ser que premia os bons e castiga
os maus. Ou seja, como uma entidade sujeita a suborno, mediante
oferendas, velas, orações interesseiras, variados rituais e
promessas vagas, em troca de perdão e, sobretudo, de proteção.
O bem
supremo, todavia, certamente não é nada disso. O conhecimento pleno
é impossível de ser atingido, dada sua extensão e dadas as
limitações humanas, embora a sabedoria possa, até certo ponto, ser
conseguida. Esta, no entanto, se faz inútil, se desacompanhada de
ações.
A tendência
de quem “conseguiu enxergar a luz” (e não apenas seus reflexos)
é utilizar o conhecimento adquirido em proveito próprio, e nunca a
de compartilhar o que aprendeu. Tende a esquecer os que permaneceram
atados à frente da entrada da caverna, tendo diante de si apenas
sombras de sabedoria.
Platão
ressaltou que a virtude dessa ciência da realidade “tanto pode ser
um bem inefável, quanto um mal”. Os maus também podem alcançar a
agudeza do conhecimento, com a mesma competência dos bons, contudo,
desperdiçam essa luz em atos mesquinhos e projetos reprováveis.
O Mito da
Caverna e, por extensão, toda a filosofia platônica, toma como
ponto de partida o “conceito”. O professor Theobaldo Miranda
Santos, em seu “Manual de Filosofia”, destaca que este era o
verdadeiro objeto da ciência para Sócrates, o mestre de Platão,
cujas lições ele ouviu por dez anos. Mas, ao contrário do mestre,
relacionou-o com a realidade.
O conceito,
por exemplo, pode ser distorcido, como no caso das sombras vistas
pelos que estavam amarrados à frente da entrada da caverna. Esses
prisioneiros da ignorância, confiando apenas nos sentidos, achavam,
até, que as vozes que ouviam eram provenientes dessas ilusões de
ótica, que achavam que eram reais.
A realidade
só poderia ser vista à luz do sol, fora da gruta, e após a vista
ter se acostumado à luminosidade, vencido o ofuscamento decorrente
do tempo passado em trevas. Mas se esses homens, libertados da
caverna, já ambientados à luz solar, voltassem ao estado anterior,
ou seja, à escuridão, em pouco tempo voltariam a pensar como antes.
Regrediriam na identificação da realidade.
Platão
ressaltou que “os ofuscamentos físicos, assim como os morais, são
de duas formas: daqueles que saem das trevas para a luz e dos que da
luz revertem às trevas”. Ou seja, recaem na ignorância, por falta
de exercício da recém-adquirida nova visão da sabedoria. Quem já
contemplou a visão divina, por exemplo, não quer
(compreensivelmente) voltar a se ocupar das coisas humanas, com suas
feiuras de caráter e horrendas distorções.
Mesmo no
plano das ideias, Platão condenava os extremos. Afirmava que nem os
que não têm educação (ou seja, os que jamais viram a luz do sol
fora da caverna) e nem os demasiadamente educados (os que nunca
estiveram atados à frente da entrada da gruta) seriam bons
servidores da sua cidade ideal.
Os
primeiros não o seriam por falta de objetivos pelos quais pudessem
pautar sua conduta. Sua realidade não era mais do que um conjunto de
sombras, de reflexos, de distorções. Para eles, portanto, a
acomodação era a melhor estratégia. Pelo menos, ela envolveria
menos esforços.
Os
demasiadamente educados, por sua vez, julgar-se-iam “superiores e
bem-aventurados”. Achariam que tinham galgado o próprio cimo do
Olimpo. Não seria de se estranhar se achassem que tinham certa
espécie de parceria com os deuses. Por essa razão, não se
sentiriam motivados para agir.
Se o leitor
observar com atenção, verá que é exatamente o que ocorre ao nosso
redor, no nosso cotidiano. Uma determinada pessoa, por exemplo,
dedica-se com muito afinco aos estudos. No princípio, está cheia de
ideais nobres em relação à humanidade e não mede sacrifícios
para atingir sua meta. Sonha em salvar o mundo, não por interesse
pessoal, por fama, fortuna ou poder, mas somente por idealismo.
Todavia, à
medida que galga os degraus que a aproximam da meta e mais se
distancia da massa inculta, abre mão dos objetivos primitivos.
Elitiza-se e traça novas metas, absolutamente individuais. Descer ao
nível da maioria, obviamente, nem lhe passa pela cabeça. O estágio
que atingiu é muito superior ao dessa massa inculta. O recurso seria
trazer o máximo possível dessas pessoas ao patamar de conhecimentos
que conquistou. Contudo, nesta altura, sua motivação original já
se esvaiu e seu ideal de salvar o mundo virou fumaça. E sua visão
da realidade enche-a, na verdade, apenas de um imenso tédio.
Na opinião
de Platão, existia, para além do plano dos fenômenos palpáveis,
visíveis, audíveis, palatáveis e cheiráveis, ou seja, o dos
sentidos, um outro mundo. Seria um planeta de realidades constituídas
dos mesmos atributos dos conceitos que existem em nosso mundo
interior, mas não no físico. E estas seriam as nossas “ideias”.
Elas não
seriam apenas meras formas abstratas do pensamento. Seriam realidades
objetivas e com o atributo da eternidade. As coisas terrenas não
passariam de meras cópias, eivadas de imperfeições e, sobretudo,
passageiras das ideias.
O filósofo,
para Platão, era aquele que havia atingido a plenitude do
conhecimento. Por essa razão, tinha um papel preponderante na vida
da cidade ideal. A ele caberia a tarefa de instruir e orientar as
pessoas, para que subissem em direção ao sol da realidade. Eles é
que teriam que libertar os que estavam atados em frente à entrada da
caverna, os ajudar a acostumar a vista à luz natural e impedir que
retroagissem às trevas.
Os
filósofos, após sua ascensão aos planos elevados do mundo
superior, tinham a obrigação moral de regressar ao convívio dos
ignorantes, para esclarecê-los e guiá-los. Cabia-lhes o papel tanto
de mestres, quanto de guias, com a cautela de também não regredirem
à ignorância, por falta de prática da sabedoria. Competia-lhes
proteger os mais frágeis, além de formar as classes políticas e
dirigentes da cidade, para que nunca exorbitassem do seu poder e nem
jamais se omitissem das suas obrigações. Este é, em resumo, o teor
do Mito da Caverna, exposto por Platão no Livro VI de “A
República”.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ainda que grosseiramente, pode-se também fazer um paralelo entre as duas visões antagônicas de um único fato apresentado hoje para as pessoas. Chega a chocar a distância de avaliação de uma notícia, considerando-se os diversos interesses envolvidos. As conclusões são díspares apara um mesmo fato.
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