Capitalismo
é religião?
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Por Frei Betto
O
capitalismo é uma religião? Parece que sim. O Vaticano fica no FMI
e no Banco Mundial, cujas ordens dali emanadas devem ser
religiosamente respeitadas. Roma, em Wall Street. O papa, o
presidente do Federal Reserve Bank, banco central dos EUA.
O
apóstolo Paulo, Adam Smith. Entre seus teólogos se destacam Locke,
Keynes, Hayek e Friedman. A teologia, o liberalismo. O deus, o
Mercado, cujas mãos invisíveis regulam as nossas vidas.
Meca
fica em Davos. Todos os anos cardeais e bispos devem peregrinar até
a cidade suíça para acertarem seus relógios. Suas basílicas, as
Bolsas de Valores, para as quais se voltam atentos olhos, corações
e bolsos dos que ali depositaram seus dízimos. As capelas, os
bancos, que prometem operar o milagre da multiplicação das moedas
confiadas às suas mãos.
Seu
dogma de fé proclama que fora do mercado não há salvação. O céu,
a riqueza; o purgatório, as dívidas; o inferno, a falta de crédito
e a exclusão social. Nas notas de dólar, está gravado In God we
trust (Em Deus confiamos). Houve pequeno erro de grafia. A frase
correta é In Gold we trust (No Ouro confiamos).
Trata-se
de uma religião canibal. Apropria-se até mesmo de Deus ao apregoar
que Ele criou o mundo desigual, para que os ricos sejam generosos com
os pobres, e estes lutem meritoriamente por seu lugar ao sol.
O
que seria dos pobres se os ricos não lhes dessem empregos e pagassem
o salário que lhes assegura a sobrevivência?
Seus
santos, venerados por gerações, são Rothschild, Rockfeller, Ford,
Bill Gates, Mark Zuckerberg e tantos outros afortunados. A teologia é
disseminada mundo afora pelas confrarias GM, Sony, Coca-Cola, Nestlé,
Apple e muitas outras marcas famosas. Quem é fiel a elas alcançará
a felicidade, prometem os arautos da fé financista.
O
Santo Ofício são as agências de risco que aprovam ou desaprovam as
nações interessadas em investimentos. O catecismo, as obras de Walt
Disney, que ensinam às crianças como ser resignadas como Donald,
sovinas como Tio Patinhas, imbecis como o Pateta.
O
capitalismo aponta os demônios dos quais todos os fiéis devem se
manter distantes, como o socialismo e o comunismo. Seu L’Osservatore
Romano são o Wall Street Journal e The Economist.
Enquanto
o cristianismo prega a solidariedade, o capitalismo incentiva a
competição. O cristianismo recomenda o perdão, o capitalismo a
desapropriação. O cristianismo, a partilha; o capitalismo, a
acumulação. O cristianismo, a sobriedade; o capitalismo, a
ostentação.
Nas
grandes cidades erguem-se as catedrais desta religião de culto ao
dinheiro: os shopping centers. Neles, os fiéis do consumismo se
deslumbram diante das sofisticadas capelas que, acolitadas por belas
sacerdotisas, exibem os veneráveis produtos dotados do miraculoso
poder de imprimir valor a quem os adquire.
Aqueles
que cometem o pecado de acreditar em ética, compaixão, partilha e
justiça, a religião capitalista, que sacrifica no altar do deus
Dinheiro a vida dos pobres para assegurar a dos ricos, condena ao
limbo dos excluídos do festim dos eleitos.
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Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou”
(Saraiva), entre outros livros.
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