Carta
nº 2 – De Atahualpa para Katty
*
Por Urda Alice Klueger
Oi,
Katty!
Hoje
de tarde fiquei pensando que deveria lhe escrever. Foi quando a gente
estava voltando para casa e eu fiquei lembrando em tudo o que havia
acontecido. A gente ir passear três vezes por dia na praia é rotina
– sabemos os horários, os trajetos, os cheiros que poderão haver
por lá – basta a Urda pegar a bolsa dos cachorros (onde, dentre
outras coisas, há a minha capa vermelha para chuva) mais a corrente
da Tereza Batista, e já saímos correndo para o portão. Algumas
vezes ela não pega a corrente da Tereza, e então essa cachorrona
que agora faz parte da minha família fica meio murcha, o rabo caído,
pois já entende que não irá junto. Nessas ocasiões, primeiro
Tereza Batista ficava toda triste esperando lá no portão – sabe
como é, ela já sofreu muitos abandonos – como iria ter a certeza
de que a gente iria voltar? Agora, no entanto, ela já sabe que a
gente volta, e então, do portão ela retorna para a varanda e fica
cuidando da casa.
Mas
há as ocasiões especiais, quando, ao invés de pegar a bolsa dos
cachorros, a Urda pega a mochila dela, o que significa que vamos sair
de carro. Como sou um ser já bem ajuizado, espero para ver se ela
pega também a chave do carro antes de sair correndo, mas o Zorrilho,
aquele pingo de cachorro, mal vê ela pegar a mochila e já sai
fazendo a maior barulheira em direção à garagem, seguido da Tereza
Batista aos pulos. É só ela abrir as portas do carro e nós
entramos correndo, e cada um sabe o seu lugar bem direitinho: Tereza
e Zorrilho no banco de trás, e eu no banco do carona. Como quase
sempre a nossa vizinha Maria Antônia vai junto nesses passeios, é
claro que ela me dá o melhor colo que um cachorro pode ambicionar, e
até abre a janela do carro para o vento trazer todos os cheiros lá
de fora para dentro.
Vamos
a muitos lugares, nesses passeios, como à praça do centro da
Enseada, na agropecuária, na praia de Fora, tomar banho com a tia
Lourdes na Barra do Aririú e em tantos lugares que nem dá para
contar aqui. No Natal, fomos todos juntos, numa noite, ao Natal Luz
da cidade de São José e nos divertimos muito! Noutro dia também
passamos um dia inteirinho na praia do Raul Longo e o cachorrinho
dele, o Chiquinho, que é uma nisca de nada, ficou apaixonado pela
Tereza Batista! Nós quatro brincamos o dia inteirinho naquela praia
maravilhosa que se chama Sambaqui e não houve nenhum problema –
sabe como é, os homens daqui (e também algumas mulheres) têm medo
da Tereza, pois no tempo em que ela não tinha dono e vivia na rua
ela criou fama de cachorra mordedora. Hoje, no entanto, ela está que
é uma lady, como diz a Maria Antônia – só se enfeza
quando vê a gente que a maltratava no passado, e é por isso que sai
de corrente para passear. A Urda sempre diz que a Tereza é uma
academia de ginástica, pois ela se exercita muito segurando a
corrente da grandona.
E
então passeamos por aí de carro, e a Urda e a Maria Antônia nos
avisam quando vamos passar por algum cachorro para a gente latir, e
também latimos muito num gado que vive num lindo pasto aqui perto –
é assim, de um lado da estrada há o grande pasto, e do outro lado é
a praia, e o carro fica parado para a gente poder latir bastante
naqueles bichões. Claro que nós não iríamos latir para eles fora
do carro, né? Há cada boi enorme!!!
Bem,
Katty, assim tem sido nossa vida por aqui. Nem contei da Domitila,
que é uma gatinha que pensa que é cachorro e anda sempre atrás da
gente pela praia, mas isto eu conto outro dia.
Carinhosas
lambidas do seu amigo,
Atahualpa.
Sertão
da Enseada de Brito, 07 de Março de 2018.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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