segunda-feira, 26 de março de 2018

O vento é sempre áspero - Adriano Marcena


O vento é sempre áspero



* Por Adriano Marcena


Talis Andrade é amigo das palavras, primo da aliteração, sobrinho da alegoria, cunhado da versificação. Poeta-ser é conceber o desabafo da carne, músculos e entranhas. Talis não é inofensivo e sua receita po-ética não aceita adoçante, quando mais açúcar!

É um poeta movido pela aspereza do diabetes simbólico recriando seu interior de homem-solitário escaldado pela vida boêmia literária. Fácil é perceber a fisgada certeira com que ele consegue apreender o fígado da poesia, o baço da palavra, a cefaleia da pontuação. Talis também é meio grego, não grego-romano, mas grego-pernambucano, pois ali está o cheiro dos trópicos apri-sionados ou escaneados no papel inofensivo.

Todo poeta é covarde pelo simples fato de oprimir as folhas em branco diante de si. Entre a dor e o poeta reside a poesia, entre Talis e a vida existe o amor por uma leveza que se aprisiona ao vento, cortando as amantes, serrando os ouvidos, sufocando as virilhas, apalpando os desejos, esses crudelíssimos desejos, perdidos em monólogos madrugais.

Entre o poeta e a dor o vento sopra como se pusesse os nervos para bailarem suavemente: o poeta é um nervo que não suporta nem o prenúncio do vento.

A flor do sexo
a lascívia
a amante entrando quarto adentro dos antigos olhos
a faca fria
a bala quente
a ronda dos ricos
a mulher que tropeça pela casa
os gritos que não nos deixam em paz
a profana recordação
o enforcado da rainha preso à teia da ilusão…”

Talis quebra tabus grudados em poetas. De sua pena contemporânea desnuda-se, diante de nossas retinas, o próprio enforcado: suas artérias expostas à brisa consoladora, suas vísceras se decompõem, se reciclam em água humana, mas por trás do enforcado resiste e triunfa o poeta vivo, o poeta nu, o poeta do pó das letras, o poeta da dor sincera que finge existir, o poeta tentando encontrar o tinteiro e o mata-borrão para se defender, atemorizado, da leveza delicada da filha mais jovem do vento que lhe excita em pleno sol do meio-dia.

Todo grande poeta tem medo do vento. Talis, é bom saber que você só está enforcado no livro. Sobre algum mangue soterrado.

Parabenizo pelo livro, poeta!

* Pseudônimo do escritor, historiador, professor e dramaturgo José Adriano Feitoza Apolinário.


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