O
vento é sempre áspero
*
Por Adriano Marcena
Talis
Andrade é amigo das palavras, primo da aliteração, sobrinho da
alegoria, cunhado da versificação. Poeta-ser é conceber o desabafo
da carne, músculos e entranhas. Talis não é inofensivo e sua
receita po-ética não aceita adoçante, quando mais açúcar!
É
um poeta movido pela aspereza do diabetes simbólico recriando seu
interior de homem-solitário escaldado pela vida boêmia literária.
Fácil é perceber a fisgada certeira com que ele consegue apreender
o fígado da poesia, o baço da palavra, a cefaleia da pontuação.
Talis também é meio grego, não grego-romano, mas
grego-pernambucano, pois ali está o cheiro dos trópicos
apri-sionados ou escaneados no papel inofensivo.
Todo
poeta é covarde pelo simples fato de oprimir as folhas em branco
diante de si. Entre a dor e o poeta reside a poesia, entre Talis e a
vida existe o amor por uma leveza que se aprisiona ao vento, cortando
as amantes, serrando os ouvidos, sufocando as virilhas, apalpando os
desejos, esses crudelíssimos desejos, perdidos em monólogos
madrugais.
Entre
o poeta e a dor o vento sopra como se pusesse os nervos para bailarem
suavemente: o poeta é um nervo que não suporta nem o prenúncio do
vento.
“A
flor do sexo
a
lascívia
a
amante entrando quarto adentro dos antigos olhos
a
faca fria
a
bala quente
a
ronda dos ricos
a
mulher que tropeça pela casa
os
gritos que não nos deixam em paz
a
profana recordação
o
enforcado da rainha preso à teia da ilusão…”
Talis
quebra tabus grudados em poetas. De sua pena contemporânea
desnuda-se, diante de nossas retinas, o próprio enforcado: suas
artérias expostas à brisa consoladora, suas vísceras se decompõem,
se reciclam em água humana, mas por trás do enforcado resiste e
triunfa o poeta vivo, o poeta nu, o poeta do pó das letras, o poeta
da dor sincera que finge existir, o poeta tentando encontrar o
tinteiro e o mata-borrão para se defender, atemorizado, da leveza
delicada da filha mais jovem do vento que lhe excita em pleno sol do
meio-dia.
Todo
grande poeta tem medo do vento. Talis, é bom saber que você só
está enforcado no livro. Sobre algum mangue soterrado.
Parabenizo
pelo livro, poeta!
*
Pseudônimo do escritor, historiador, professor e dramaturgo José
Adriano Feitoza Apolinário.
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