Blumenau, agora, é o Norte
* Por
Urda Alice Klueger
(Para meus amigos de
fé, irmãos, camaradas Luiz Carlos Amorim e Raul Longo)
Blumenau, agora, é o
Norte – nestes nove primeiros dias nos quais já não sou mais daquela cidade, a
cada um dia um pouco (ou muito) fui me dando conta das tantas diferenças, que
imaginava e que de vez em quando são maiores, mui mui maiores do que supunha,
mas só hoje é que se impôs esta realidade ainda não pensada: Blumenau, agora, é
o norte.
Estou aqui como que um
pouco espremida entre esta enseada de beleza e calma ímpares, que lá por traz,
numa distância que impede que se ouça o resfolegar de um caminhão, por maior
que ele seja, é contornada pela BR 101, e entre o aqui e os horizontes que não
são marinhos só há, mesmo, a rodovia a cortar o contato direto entre o meu quintal
arborizado e a reserva ecológica do Parque do Tabuleiro, onde está guardada
ciumentamente a água que abastecerá a região da grande Florianópolis pelos
próximos 1.000 anos. Tanto quanto entendi até agora a reserva começa a duas
casas daqui – se não fossem as uvas, os diversos tipos de laranjas, plantas
alienígenas, eu diria que este meu espaço já é plena reserva, ainda mais com a
água pura das montanhas que corre aqui gratuitamente em todas as torneiras e em
pequenos ribeirões pela praia, ainda mais com coisas como jabuticabas e
maracujás-doces que habitam cá à minha frente. Meu cachorro, aqui, corre
livremente por todo o terreno amplo, e pela ruazinha que neste lugar se chama
servidão e por toda a amplidão da praia, quanto queira, e quando penso como um cachorro
bonzinho como o meu viveu uma vida reprimida lá naquela terra do Norte...
Blumenau, agora, é o
Norte, e como ficou clara tal coisa desde esta manhã, quando despertei sabendo
que aqui já não era o vale, que estava muito, muito mais próxima dos campos
onde geou na noite passada, e me lembrei de uma vez em que sobrevoei o estado
de Santa Catarina no sentido leste-oeste num dia inteiramente sem nuvens,
passando mais ou menos aqui por cima de onde estou, vi como se sucederam,
rapidamente, as praias, os vales litorâneos, e de repente... UPA!!! – Santa
Catarina deu um salto de muitos metros, mais de mil, com certeza, coisa
inteiramente visível pela janela do avião, numa escarpa de pedra lisa
perpendicular ao chão, e se num instante antes se viam os altos dos vales, num
instante depois se sobrevoava os campos planos onde neva e onde a geada pode
aparecer ainda no final da primavera, como aconteceu na noite passada.
Tudo é muito perto, conforme
pude ver no avião, naquele dia, e conforme o ato de estar viva fez com que eu
sentisse hoje. Houve geada lá por cima, e o frio que desceu a encosta e chegou
aqui é diferente de qualquer frio que porventura eu já possa ter sentido algum
dia no Vale do Itajaí, com sua umidade e seus horizontes apertados – talvez com
o tempo saiba explicar isto melhor. Mas foi uma descoberta enorme essa de
entender que Blumenau, agora, é o Norte, pois aqui se vive diferente, se sente
diferente, se respira diferente, e quando o frio adstringente que rolou lá do
alto e alisou as águas da enseada como se ela fosse uma lâmina de vidro, eu fui
me sentar na beira da praia e só então entendi o quanto estava ao sul.
O que queria registrar
é que, principalmente num dia como o de hoje, de lua quase cheia, maré alta e
geada nos campos, é infinitamente bom estar no Sul!
Enseada de Brito, 12
de novembro de 2016.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado
em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No
tempo das tangerinas” (12 edições).
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