sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O Brasil e o futuro



* Por João de Scantimburgo



Nunca o futuro esteve tão presente, como em nossa época. Se não tivemos, ainda, uma invasão de marcianos, tivemos, vê-se, uma invasão de profetas, que procuram decifrar o futuro ou antecipá-lo, com muitas elucubrações. Se devemos, os contemporâneos que ainda não perdemos a fé, temer pelo mundo, é porque a mecanização do espírito, a desespiritualização da técnica, a crise do homem, de sua crença das bases de seu amor, de sua angústia diante do insondável mistério, que o traz suspenso em face da imensidão de Deus, serem forças poderosas, sobretudo quando usam os veículos de comunicação de massa para difundir o mal.

Que me conste, foi o filósofo Maurice Blondel o primeiro a usar o vocábulo prospectiva. "Pensamento ou característica do pensamento, enquanto orientado no sentido do futuro." 2 Seu discípulo, Gaston Berger, lançou-o, porém, em circulação, fora dos limites estreitos dos meios filosóficos e ele adquiriu logo maioridade e autonomia. Que é, porém, a prospectiva? É a ciência que tem como objeto preparar o futuro, a fim de que o homem não seja deixado ao acaso. Sem se desabrigar do providencialismo, que atuam na história, a prospectiva vale-se da liberdade do homem, para que ele não marche no futuro por tateamentos. A prospectiva nos ajuda, portanto, a marchar de encontro ao futuro, com relativa segurança, desde que as leis superiores do espírito sejam observadas pelas sociedades, inclusive nos períodos de mudança, como este, do após-guerra e da ansiosa expectativa pelo advento de novos tempos. Vamos, todos nós, entre descompassos, tentando reparar os nossos erros, com a ajuda da prospectiva, que, bem usada, é uma esperança. Pela prospectiva estamos habilitados a estender longos telescópios no vetor do futuro, se se fundar ela nos sólidos alicerces do passado.

Cremos que o nosso projeto humano para as sociedades humanas se inclina para um sistema político onde as impurezas da história e a cupidez do homem tenham menos peso do que nas sociedades de grandes desníveis, como a maioria delas, nesta altura do século. Cremos que, nessa linha, a fé no Deus uno e trino; a educação proporcionada a todos, o uso dos direitos às liberdades da pessoa, a elevação do padrão de vida dos povos pela ampliação da sociedade de consumo, podem libertar o homem e, com ele, a terra. A era tecnológica está pondo ao alcance das sociedades contemporâneas uma cópia de bens com a qual não contaram as sociedades dos séculos anteriores e, mesmo, as de uma parte deste. Não negamos que a miséria campeia, ainda, sobre a face da terra e que sua extinção é tarefa sobre-humana, com os recursos de que dispomos. Mas, pela ciência da prospectiva, ou pela experiência dos fatos, do processo que têm diante dos olhos, dos exemplos e dos oferecimentos da tecnologia, as sociedades contemporâneas já sabem como organizar seu futuro e alcançar os mesmos benefícios da civilização e da cultura, dos quais outras gozam.

Não ignoramos que os oprimidos se revoltam, que os desesperados, milhões de inocentes que povoam a face da terra, clamam por pão, mas não ignoramos, igualmente, que não será avolumando a caudal da revolução universal que vamos resolver os problemas sociais, os problemas humanos, os problemas do homem em face de seu destino. Para revidar ao desafio do século, extinguindo a miséria, elevando o homem, as sociedades contemporâneas podem tombar no extremo oposto, e divinizar o consumo, como vem na sátira de Dunrrematt. O homem é o ser que pede mais, que quer mais do que o material. A civilização está posta à prova, em nossos dias. Vemo-la agônica, debatendo-se em estertores para sobreviver. Circulam em seu corpo toxinas fatais, como o esquecimento de Deus, o desrespeito à nação, o aviltamento da mulher, e outras. Mas sempre latejam em seu seio forças que podem salvá-la.

(Tratado geral do Brasil, 1971)


* Jornalista, professor e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras.


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