terça-feira, 14 de junho de 2016

Vergonha de ser humano


Há momentos em que sinto vergonha de integrar a espécie humana. Não que me sinta melhor do que qualquer pessoa. Longe disso. Afinal, não sou. Aliás, envergonho-me. Também, da minha indiferença em relação aos problemas e sofrimentos alheios que tanto critico nos outros. Uma voz interior cutuca-me, a todo o momento, dizendo que eu deveria agir, fazer alguma coisa de prático, ajudar, da melhor forma que puder, a quem de fato precise. Todavia, o comodismo, o medo onipresente da violência e outros tantos motivos, reais ou meros pretextos imaginários que arrolo para justificar-me, me impedem de fazer o que é humanamente correto e até necessário. Enfatizo que, se não sou melhor do que ninguém (e não sou mesmo), também não sou o  pior dos indivíduos. Meu procedimento é idêntico ao da grande maioria das pessoas mundo afora, nesta época da história caracterizada por um feroz individualismo, por uma indiferença brutal em relação ao próximo, por um egoísmo exacerbado e burro.

Qual a razão desse súbito “ataque de consciência”, perguntará, ironicamente, o leitor dotado de agudo senso crítico? Antes de tudo esclareço que não é “súbito” coisa nenhuma. É um sentimento constante, posto que, infelizmente, não acompanhado de atos, o que me envergonha e aborrece. O motivo desse desabafo é a noticia de que na madrugada dessa primeira metade de junho de 2016, de um outono inusitadamente gélido para um país tropical como o nosso,  pelo menos sete moradores de rua morreram de frio na terceira cidade mais populosa do mundo, ou seja, na rica e orgulhosa São Paulo. Caramba, foram sete seres humanos, abandonados, desassistidos e no mais fundo do fundo do poço que perderam a vida, sem que ninguém fizesse nada para evitar!!!!

Pensem comigo. Se para nós, que bem ou mal temos uma casa para nos abrigar, roupas quentes para nos aquecer, cobertas grossas para nos proteger, comidas adequadas para nos dar energia, estas madrugadas têm sido penosas e sofridas, imaginem para essas pessoas que não contam com nada disso! É a tortura das torturas!!! O que é ainda mais chocante é saber que São Paulo conta com uma população de moradores de rua que ascende a estimadas cento e vinte mil pessoas ou coisa que o valha!!! É muita gente! Preocupamo-nos, pelo menos da boca para fora, com os milhares de refugiados vivendo em precários acampamentos na Europa, África e Ásia e não nos damos conta de que temos, debaixo de nossos narizes, problema igual, quando não pior, por aqui.

Há quem argumente que se trata de pessoas viciadas em drogas e/ou em álcool, de deficientes mentais, de pessoas arredias que recusam ajuda quando oferecida. Balela! E mesmo que sejam, elas deixam de ser humanas? Sentem menos fome e frio que qualquer um de nós? Não sentem dor?  Se nos condoemos tanto de cães e gatos e de outros animais abandonados (o que, por sinal, é meritório) e se fazemos campanhas para que sejam adotados, por que ficamos indiferentes, alheios ao sofrimento e ao abandono de homens, mulheres e crianças da nossa própria espécie? Nada, absolutamente nada justifica que ajamos assim. Onde estão os vários órgãos oficiais de assistência social cuja     existência só se justifica para evitar tanto descaso e abandono? Ah, não funcionam? Não passam de cabides de emprego? Pois cobremos, pelo menos, que ajam com eficiência e presteza, executando a função que justifica sua existência, nós que cobramos tanta coisa, até o que não é coisa para ser cobrada.

Conversando, ontem, a respeito destas sete mortes numa roda de pessoas, um gaiato saiu-se com essa: “Está com pena deles? Leve para casa!”. É o cúmulo da indiferença, da burrice e da falta de consciência e humanidade!!! É uma observação nojenta, mas que expressa o sentimento de milhares e milhares de pessoas (infelizmente) mundo afora. Fôssemos, realmente, o Homo Sapiens que julgamos ser, os levaríamos, mesmo, para casa, com todo o suposto risco que isso implica. Por isso dou um valor imenso aos poucos que, anonimamente, distribuem sopões aos moradores de rua, sem nada ganhar com isso. Àqueles que, espontaneamente, levam agasalhos e cobertores a esses infelizes irmãos de espécie. A almas piedosas e solidárias como o padre Júlio Lancelotti e sua cruzada em favor dos que nada têm, que são tão indigentes, tão despossuídos, tão miseráveis que chegam a ser “invisíveis”. No entanto... são seres humanos como eu, como você, como os “poderosos” da Terra. Em situações como essa, sinto vergonha de integrar a espécie humana. E tenho dito.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Sei do incansável trabalho da sua esposa com essa população em estado de rua. Quase todos somos comodistas. Quanto a ameaça do "leva para sua casa", é insana e gaiata. A obrigação é do governo, mas, derrubar a indiferença e fazermos algo útil em prol de nós mesmos, indiretamente como espécie, é de todos nós.

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