quarta-feira, 1 de junho de 2016

Relicário


* Por Mariana Celle



Eu nem sabia o que significava. Essa palavra nem ao menos me remetia a qualquer outra para que eu pudesse vê-la num texto, frase ou, ao menos num dicionário. Não havia referências. A conheci num tempo em que ela não fazia muito sentido pra mim, mas foi mesmo desta forma, com a música. Duas vozes. Instrumentos. Doces. Graves. Melodia que fica na mente e agrada o coração (antes era só a música que trazia essas sensações). Mas do que falo aqui é do seu nome, não dela própria.

Palavra que começa com um arranhão, mas depois se deleita. Não é grande, não é pequena. É ideal. Mesmo que ainda vazia do significado que eu buscara, buscava, buscaria. Ou não. Ouvi certa vez: artesanato, madeira, preço, relicário. Ahn?! Mas como condicionar um valor a uma palavra feita de madeira? Não pensei mais. A música afastou-se. A palavra a seguiu e me deixou por um tempo. Eu disse, um tempo.

O cômodo colorido naquela rua de pedras esteve lá desde o primeiro dos quatro dias e no outro também, mas somente esteve lá. Feito para olhar. Enquanto algumas horas se passavam daquele sábado nublado o cômodo pôde tomar forma. Antes disso: ansiedade, palpitação, insegurança, telefonemas, outras dúvidas e mais outras. Um outro assunto. Não serviria de nada e nada serviu. Seguimos a rotina. Escadas, curva, bica, igreja, árvore, pedras. O cômodo tinha novos visitantes. Texturas, formas, laranjas, azuis e mais amarelos, rosas e verdes e mais, e mais. No canto esquerdo alguém apontou. Apontou para quê? Retangular, vertical, com abertura, um tipo de torre religiosa, enfeitado, detalhes. Precisava ser mesmo naquele lugar, rua, cidade, região, estado, país. Fiquei satisfeita. Dessa forma não havia mais como esquecer a palavra. Mais uma para o vocabulário, para a vida.

Mais sete dias. A palavra esquecida é agora realmente parte da vida. O que está acontecendo? O dia amanheceu mais uma vez e a paz ainda não voltou. Continuo usando o colar, vendo milhões de vasos sem flor e tentando trocar a eternidade, mas isso não é permitido. Já tentamos. Várias vezes, cada vez mais, mas o esforço não foi o suficiente para vencer o dia. De onde veio essa semente e para onde vai? Ninguém tem respostas. Todos só temos lembranças, mas agora lembranças preenchidas. Desta vez foi a música que seguiu a palavra, e ganhou dois seguidores. Seguidores conscientes e confusos. Os lábios não poderiam mesmo mais se tocar. Foram embora. Outro lugar foi invadido. Mesmo que seja estranho se sentirem agora como velhos amigos. Mas as últimas três frases da última estrofe ecoam enquanto tentam (re-) conviver com a rotina, a saudade e o medo.

* Jornalista





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